Joaquim Barbosa X Lewandowski |
Jornal do Brasil
Tarcísio Holanda
Nos bastidores, ministros do próprio Supremo Tribunal Federal acreditam que o início do julgamento do escândalo do mensalão, que envolve 36 réus importantes do PT, será caracterizado por um duelo entre dois ministros que receberam a missão de estudar os autos antes dos seus companheiros: o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski. Nas ações penais, como é o caso do mensalão, o parecer do relator passa necessariamente pelo exame de um revisor.
O relator Joaquim Barbosa é apontado como um dos integrantes da ala do Supremo que sempre tende a condenar os réus, enquanto Lewandowski costuma aproveitar a oportunidade do voto revisor para levar ao plenário um contraponto. Há um receio entre os ministros do STF de que as posições antagônicas dos dois ministros possam radicalizar os debates de modo a acirrar os ânimos na fase inicial do julgamento.
Lewandowski tem posição diferente da de Barbosa desde 2007, quando a denúncia da Procuradoria-Geral da República foi convertida em ação penal. Em agosto daquele ano, o ministro Joaquim Barbosa formulou perante os seus colegas da suprema corte um voto considerado criativo. Chegou a dividir em blocos a denúncia do então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza.
"A imprensa acuou o Supremo?"
De tal sorte que, ao invés de uma única votação, a matéria foi submetida a várias votações. Assim, o Supremo considerou procedente a denúncia do procurador em sua integralidade, o que transformou os acusados em réus. A essa altura do julgamento, Ricardo Lewandowski foi o ministro que esteve em constante divergência com o seu colega Joaquim Barbosa. Exprimiu posições contrárias à posição de Barbosa em 12 oportunidades. Divergiu do ponto de vista do relator, por exemplo, quanto à procedência da denúncia contra José Dirceu "por formação de quadrilha". Também adotou posição contrária quando o relator propôs o enquadramento do ex-deputado José Genoino pelo mesmo crime, no que foi acompanhado pelo ministro Eros Grau, que está hoje aposentado. Encerrada a sessão, Lewandowski foi jantar com alguns amigos no restaurante Expand Wine Store, casa especializada em vinhos do restaurante Piantella, em Brasília.
A certa altura Lewandowski levantou-se da mesa e foi para o jardim para atender a um celular. Conversou durante dez minutos com o irmão Marcelo Lewandowski, a quem disse: "A imprensa acuou o Supremo?". Acrescentando, em seguida: "Todo mundo votou com a faca no pescoço?".Por mal dos pecados, a repórter Vera Magalhães, acomodada numa mesa próxima da dos manos Ricardo e Marcelo Lewandowski, ouviu parte das frases pronunciadas pelo ministro ao telefone.
Lewandowski disse mais e pior na conversa com o irmão: "A tendência era amaciar para o Dirceu?". Deu a entender que, no seu caso, o amaciamento não resultaria em má repercussão: "Para mim não ficou tão mal, todo mundo sabe que eu sou independente". Deu a entender que, não fosse pela "pressão" da mídia, poderia ter divergido muito mais: "Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos".
Convertidas em manchete dois dias depois da sessão em que a denúncia do mensalão virou ação penal, as frases do ministro atearam constrangimento nos colegas. A tal ponto que a ministra Ellen Gracie, então presidente do Supremo, viu-se compelida a divulgar uma nota. No texto, disponível aqui, Ellen anotou:
"O Supremo Tribunal Federal, que não permite nem tolera que pressões externas interfiram em suas decisões, vem reafirmar o que testemunham sua longa história e a opinião pública nacional, que são a dignidade da Corte, a honorabilidade de seus ministros e a absoluta independência e transparência dos seus julgamentos. Os fatos, sobretudo os mais recentes, falam por si e dispensam maiores explicações".
''Lewandowski, meio a contragosto,
teve de entregar seu relatório''
Mais recentemente, já acomodado no papel de revisor, Lewandowski insinuou que poderia protelar a apresentação do seu trabalho para 2013 — algo que levaria à prescrição de alguns crimes. Entre eles, o de formação de quadrilha. Ainda na presidência do STF, o ministro Cezar Peluso, que terá de aposentar-se em setembro, cuidou de pisar no acelerador. Sucessor de Peluso, Carlos Ayres Britto, com aposentadoria marcada para novembro, tratou de manter o ritmo acelerado. Numa sessão administrativa à qual Lewandowski não compareceu, os ministros do Supremo marcaram o início do julgamento para 1º de agosto. E Lewandowski, meio a contragosto, teve de entregar seu relatório. Assim mesmo, o fez em data que levou ao adiamento da sessão inaugural em um dia. Chegou-se, então, à data de 2 de agosto.
É contra esse pano de fundo envenenado que o voto de Lewandowski acabou se transformando na peça mais aguardada do início do julgamento. O magistrado é um dos oito que chegaram ao Supremo por indicação de Lula, dos quais seis integram a atual composição do tribunal. Dos indicados por Lula, Lewandowski foi o primeiro nome a ser enviado ao Diário Oficial depois da explosão do mensalão. O escândalo ganhou o noticiário em maio de 2005. Ele chegou ao tribunal em fevereiro de 2006.
Professor com mestrado e doutorado na USP, Lewandowski era desembargador em São Paulo quando Lula o escolheu. Formara-se na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, berço sindical e político de Lula. A família Silva não lhe era estranha. Sua mãe fora vizinha de Marisa Letícia, a mulher de Lula. Quer dizer: o doutor tem no processo do mensalão uma ótima oportunidade para revelar-se o juiz independente que declara ser. Encontrando nos autos matéria-prima para suas divergências, enriquecerá o debate.