Nudez em público pode ficar mais comum no futuro, diz sociólogo
Para Gustavo Gomes da Costa, corpo carrega conteúdo político.
Já naturista diz que 'pelados do RS' não têm a ver com a sua prática.
Homens ou mulheres andando ou correndo sem roupas pelas ruas pode ser uma cena ainda mais comum em um futuro próximo. A prática vem chamando a atenção em Porto Alegre e levanta a questão sobre o uso do corpo como ferramenta de expressão. Para o sociólogo Gustavo Gomes da Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), "no futuro é bem provável que a nudez seja cada vez mais usada", disse.
Costa, que se dedica entre outras áreas, a estudar sexualidade e gênero, diz que a sociedade brasileira ainda olha a nudez como algo transgressor. "A primeira coisa a dizer é que em nossa sociedade a nudez tem um lugar muito específico, o de ser castigada. A exposição do corpo é vista como algo negativo. Obviamente, isso precisa ser relativizado. Por exemplo, no carnaval a nudez feminina é valorizada. A nudez em carro alegórico não choca, é um instrumento de transgressão cultural. Mas toda e qualquer outra nudez pode ser vista como transgressora."
Mais habituada a viver nua, Carina Mareschi é adepta do naturismo e acredita que o que está acontecendo é a tentativa de "chamar a atenção, uma forma de protesto". Para ela, a nudez que tem se visto na capital gaúcha difere da que é praticada pelos naturistas. "Nossa prática é feita onde a nudez é permitida, em locais convencionados. Não fazemos atos em público. O que está acontecendo não tem relação alguma com a filosofia do naturismo."
Para ela, a "os naturistas praticam a nudez sem agredir o outro, em contato com a natureza, respeitando a si mesmo e o meio ambiente. Vai além da nudez e despe, também, os preconceitos e amarras sociais. Certamente muitas pessoas, principalmente as que desconhecem a nossa filosofia, vão associar estes casos com o naturismo, porém a distância entre eles é enorme. Nosso objetivo não é protestar", disse Carina.
O sociólogo afirmou ainda que a "nudez é usada como forma de manifestação política" e cita feministas e movimentos LGBT como os que mais usam o corpo com propósitos específicos. "Para quem é mais fundamentalista, o corpo pertence ao Estado por conta da legislação vigente, da religião. A dimensão do corpo e a nudez ganham força em espaços públicos, não posso dizer que isso ocorra nos casos recentes. A sociedade é repressora contra a nudez. Durante muito tempo vendemos a ideia de que o Brasil é liberal, que vivemos em um país tropical, que temos liberdade de costumes. Isso é um mito."
Segundo Costa, "cada vez mais grupos sociais têm questionado se o país reprova ou não a nudez. As pessoas lutam por mudanças e querem ter direito a fazer topless nas praias do Rio de Janeiro. Lá, por exemplo, já está havendo mudanças em legislação, o que permite a prática". Para Carina, "os meios de comunicação e as redes sociais estão se tornando grandes aliadas do naturismo porque o assunto está em evidência. Antigamente as pessoas desconheciam a nudez dessa forma, mas agora é diferente. E isto só ajuda a desmistificar e atrair novos adeptos."
Foram três casos na capital gaúcha nos últimos 12 dias, dois deles no domingo (9). Uma mulher foi fotografada correndo apenas de tênis e boné por ruas do Centro da capital gaúcha horas antes de uma “corrida pelada” ser convocada pelas redes sociais. O evento acabou com a caminhada de apenas um homem nú.
No dia 30 de outubro, o primeiro caso foi registrado no Parque Moinhos de Vento, o Parcão, quando uma mulher praticou corrida nua até ser detida pela Brigada Militar. Uma semana depois, a lutadora de MMA que se identificou como Betina Baino repetiu a cena ao percorrer pelada um longo trecho da Terceira Perimetral em meio à chuva e aos carros.
A naturista Carina acredita que os casos recentes de nudez pública fizeram com que o naturismo voltasse a ser assunto na mídia e, principalmente, nas redes sociais. "Hoje a nudez já é tão comum que podemos ver até em propagandas em televisão. E isto só ajuda a desmistificar e atrair novos adeptos ao naturismo. Eu não vejo os episódios de Porto Alegre como algo negativo para nós. Eu vejo como mais uma chance de abordarmos a filosofia e de conseguirmos mostrar a verdadeira face do naturismo. A informação, que gera conhecimento, é tudo numa sociedade como a nossa."
O sociólogo disse que as redes sociais podem ser o verdadeiro motivo da nudez pública em alguns casos. "Existe a lógica das redes sociais, da internet, onde algumas pessoas buscam seus cinco minutos de fama."
Nudez demonizada
Para o professor de direito e advogado criminalista Leonardo Pantaleão, a nudez pode, "conforme o caso, ser capitulado no Código Penal Brasileiro como ultraje público ao pudor. Se a nudez for considerada obscena, a pena é leve e varia de detenção de 3 meses a 1 ano e pode ser reversível em multa."
Para se enquadrar como crime, a nudez precisa atingir quem está ao redor do ato praticado sem roupa. "O delito de ultraje ao pudor ocorre desde que seja obsceno, se o entorno se sentir ofendido. Dá para fazer um paralelo com as praias de nudismo, que estão sujeitas à mesma lei, mas há uma convenção entre as pessoas que lá frequentam. A nudez tem de se adequar à lei. É delito se atingir o bem jurídico protegido, como a moralidade pública. Aí é ato obsceno."
Pantaleão explicou que nem todo flagrante de nudez demanda processo. "Tecnicamente, não é o caso de registro de Boletim de Ocorrência, mas de Termo Circunstanciado, que serve para crime de menor poder ofensivo. A pessoa não responderia a processo penal, tendo em vista que o Ministério Público decidiria pelo cumprimento da penalidade, em multa, antes mesmo de abrir processo penal. Isso ocorre pela fragilidade da pena."
O sociólogo Gustavo Gomes da Costa disse que "a nudez é demonizada no país, mas precisa ser demonizada? A nudez é tão assustadora assim? Não sei se a nudez faria sentido em mobilização, por exemplo, de operários pedindo aumento salarial, mas em outros, sim".