De um lado, estão protetores do patrimônio. De outro, donos de imóveis que se veem às voltas com limitações para reformas e investimentos na manutenção
No salão onde poderosos perderam fortunas com jogos e mulheres, presos foram interrogados durante o regime militar. Construído na década de 1930 e conhecido como Cassino da Maroca, um prédio de Passo Fundo é o cerne de uma ação do Ministério Público que se arrasta há sete anos.
O órgão quer tombar como patrimônio histórico o lugar que sediou um luxuoso cabaré, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), uma delegacia e um sindicato. Hoje, a construção que estampa os anos de abandono na pintura descascada e nas madeiras em decomposição é exemplo de uma polêmica comum no Estado. De um lado, protetores de imóveis importantes pela relevância histórica, arquitetônica ou cultural. De outro, donos de prédios que se dizem sem condições de conservar as construções.
Foi a demolição de um prédio histórico em 2006, a Casa Gabriel Bastos, erguida em 1880 e sede do primeiro banco privado de Passo Fundo, que motivou o MP a lutar pelo tombamento do Cassino da Maroca. O promotor Paulo Cirne conta que a destruição da casa impulsionou uma discussão sobre a preservação do patrimônio da cidade e a elaboração de uma lista, pela Universidade de Passo Fundo (UPF), de construções de valor histórico e arquitetônico que ainda não eram tombadas. Um ano depois, relata, só um prédio da lista não havia sido reconhecido como patrimônio histórico do município: o antigo cabaré.
A batalha judicial iniciada pelo promotor em 2007 ainda não tem desfecho. Além do tombamento, a ação movida pelo MP pedia que os donos do prédio protegessem a casa, para evitar invasões e depredações. Com o pedido julgado improcedente em primeira instância, o órgão ingressou com um recurso em 2009.
Polêmicas envolvendo prédios históricos são comuns no Estado. De um lado, estão protetores do patrimônio. De outro, donos de imóveis que se veem às voltas com limitações para reformas e investimentos na manutenção – muitas vezes encarecidos pelo estado de conservação do prédio. Conforme explica a coordenadora técnica da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio Grande do Sul, Ana Beltrami, não há diferença entre as obrigações dos donos de bens tombados por municípios, Estado ou União. Todos têm o dever de cuidar dos locais e submeter projetos de reforma para aprovação das entidades que os tombaram.
Em Passo Fundo, o Cassino da Maroca foi comprado por dois sócios em 2010 e hoje passa por reforma. A intenção dos novos donos é preservar a fachada. Mesmo assim, a possibilidade de o prédio se tornar um patrimônio histórico atrasou os reparos:
— Esperamos anos para começar (a obra) por causa da ação que pede o tombamento. Tínhamos medo de ter de pagar alguma multa caso uma parede interna caísse, e só começamos a mexer no prédio depois de pedir autorização para a prefeitura — conta o advogado Ígor Loss da Silva, 33 anos, um dos donos do prédio.
A partir do próximo ano, o local deve abrigar escritórios de contabilidade e advocacia.
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