Com Dilma, reforma agrária cai em 2011 e tem a pior marca desde Fernando Henrique
Governo assentou 22 mil famílias no ano retrasado; MST enfrenta dificuldade de mobilização
TATIANA FARAH
Com menos de 44 mil famílias assentadas em dois anos, o governo Dilma Rousseff marca forte descenso no programa de reforma agrária. Em 2011, foram assentadas 22 mil famílias, a pior marca desde o governo Fernando Henrique. O Incra não divulga dados de 2012, mas reduziu a meta de 35 mil para 22 mil famílias a serem atendidas, apesar da demanda ser de, pelo menos, um milhão de famílias.
Segundo o Incra, nos dois primeiros anos de governo, Fernando Henrique assentou 105 mil famílias. Já o ex-presidente Lula, 117,5 mil no mesmo período de gestão. No momento de maior crise política, entre o escândalo do mensalão, em 2005, e a campanha de 2006, Lula deu mais peso aos apelos dos movimentos sociais, assentando 263,8 mil famílias. Já o ponto mais alto de Fernando Henrique na reforma agrária foi no ano de sua reeleição, 1998, com 101 mil famílias assentadas.
O principal movimento social camponês do país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também tem diminuído sua atuação. Entre os fatores da desmotivação no campo estão o crescimento econômico, os programas sociais e a melhoria dos salários e condições de vida na área urbana. Apesar da dificuldade de mobilização, um dos líderes do MST, Gilmar Mauro, afirmou que este ano o “caldo tende a engrossar” com mais ocupações e acampamentos.
O país conta hoje com 1,23 milhão de famílias assentadas; e a demanda, segundo os estudos mais otimistas, é por no mínimo mais um milhão de unidades agrárias familiares. Segundo o geógrafo Bernardo Mançano, coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária (Nera), da Unesp, a demanda por terra varia entre 1 milhão e 7 milhões de famílias. Ele vê um risco de desassentamento no país.
— Sem políticas de atendimento às famílias, o Brasil pode viver um processo de desassentamento, com as pessoas deixando a terra — diz Mançano.
Para Mançano, a reforma agrária só ganha espaço se houver pressão pública. Ele lembra que, em 2005 e 2006, o MST se mobilizou e, como estava frágil, o governo Lula se mexeu.
— No Brasil, a reforma agrária só andou sob pressão. Se analisarmos a evolução dos assentamentos, os picos coincidem com os momentos de maior mobilização. Houve uma perda do poder de pressão do MST por vários motivos, como aquecimento da economia, renda maior nas cidades e programas sociais. A capacidade de mobilização do MST está cada vez mais limitada— explica o coordenador do Nera.
Mançano afirma que, diferentemente de Lula, Dilma não tem ligação histórica com o MST e os movimentos agrários, e o MST perde espaço de diálogo com o governo.
— Dilma é diferente de Lula. Ela não tem essa dívida com os movimentos no campo. Se não conseguirem fazer uma mobilização forte, este ano esse número de famílias assentadas vai cair para cinco mil — diz o pesquisador.
Sai o latifundiário, entra o agronegócio
Para Mançano, a luta no campo ganhou diferentes contornos nos últimos anos. Saíram os latifundiários, entrou o agronegócio. Diminuiu a pistolagem, entrou em campo a “judicialização”. Segundo o pesquisador, os recursos dos sem-terra para combater no campo do Judiciário são muito limitados:
— A violência no campo vem caindo. A questão, hoje, é mais judicial. O maior problema é que as famílias assentadas estão acuadas pelo agronegócio e não há políticas públicas. Se continuar nesse ritmo, não é que vai cair o número de famílias assentadas. Vai acontecer é desassentamento.
O Incra não forneceu dados de 2012, mas informou que houve redução na meta, de 35 mil para 22 mil famílias assentadas. Segundo Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST, o número de assentamentos em 2012 não atingiu 10 mil famílias, ou seja, menos da metade da meta.
— Nossa avaliação, e do movimento sem-terra em geral, é que o governo Dilma tirou da pauta a reforma agrária — analisa Gilmar Mauro.
— Em termos de média, a de Fernando Henrique foi 45 mil assentados por ano, a de Lula, 60 mil, 65 mil. E a de Dilma está em 20 mil.
Gilmar Mauro admitiu que existe uma dificuldade de mobilização dos trabalhadores sem-terra. Mas afirma que há 85 mil famílias acampadas no país. No governo Fernando Henrique, o número era de 90 mil, segundo o MST.
— No primeiro ano do governo Lula esse número saltou para 130 mil porque havia expectativa de que o governo Lula pudesse fazer a reforma agrária. Foi se estabilizando e atinge hoje patamar de 85 mil famílias, que não é insignificante. Os programas sociais e a possibilidade de emprego, evidentemente, colocam algumas famílias, que poderiam ser potenciais lutadores da reforma agrária, na condição de terem algum trabalho e irem sobrevivendo, mas isso não significa que a demanda por reforma agrária esteja acabada — disse Mauro.
Judiciário deve ser alvo de protestos
O MST está organizando um calendário com ocupações, manifestações de rua e um acampamento em Brasília. Um dos focos de crítica, além do governo, é o Poder Judiciário, já que a posse de terra de dois assentamentos em São Paulo está sub judice, com risco de revisão da desapropriação feita pelo governo e de desassentamento das famílias.
— O Judiciário brasileiro está colocando um freio grave à reforma agrária. E o governo não está desapropriando, então a reforma agrária enfrenta uma das piores situações no país. Estamos numa grande jornada de lutas, com outros movimentos do campo porque todos estão com o mesmo diagnóstico. O caldo tende a engrossar no próximo período — conclui Mauro.
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