Frentes frias do pacífico são bloqueadas por uma parede atmosférica de ar quente e seco que se instalou em grande parte do território brasileiro.
Em grande parte do Brasil - região Sul, Sudeste e parte da Centro-Oeste - não vê chuva há um tempão. E esta foi uma semana em que as temperaturas quebraram recordes.
São Paulo: 36,4°C na sexta-feira (7). Os primeiros dias de fevereiro foram os mais quentes para o mês desde 1943, quando começou o registro.
Rio de Janeiro: 41,2°C no sábado (8). Recorde do ano no Rio. A temperatura mais alta na cidade desde fevereiro de 2010.
E olha essa: Porto Alegre: 40,5°C na quinta-feira (6). Essa temperatura não era registrada na cidade há 70 anos.
Esse calorão provocou cenas curiosas pelo país. Em Sorocaba, São Paulo, uma mulher teve que ir até os bombeiros para cortar a aliança. Os dedos ficaram tão inchados por causa do calor de quase 36°C que o anel não saía de jeito nenhum.
Em Belo Horizonte, onde a temperatura bateu uns 32°C, uma cena que se repetiu por todo o Brasil: passageiros no ponto de ônibus dividem a sombra do poste.
Porto Alegre ficou tão quente que um avião não conseguiu decolar na última segunda-feira (3). O voo foi cancelado porque o calor reduz a potência das turbinas, o que poderia colocar em risco a decolagem. Pelo menos a Brigada Militar gaúcha pode usar bermuda e sandália.
Em Bauru, no interior de São Paulo, onde a temperatura passou dos 37°C, inventaram até um cinema na piscina.
Mas por que as temperaturas andam tão altas? A repórter Sônia Bridi explica.
É tudo o que se espera de um dia de verão: calor, céu azul, água do mar quentinha... Mas quando isso se repete dia após dia, semana após semana, sai mês entra mês, é o inferno no paraíso.
Se durasse apenas uns dias, seria normal, mas se tornou uma anomalia, um evento climático extremo.
Tudo começou no fim de dezembro. Uma imensa massa de ar quente e seco veio do mar, entrou pelo continente e estacionou sobre uma grande área do território brasileiro. Esse sistema de alta pressão forma uma espécie de parede atmosférica muito forte e bloqueia as frentes frias, que ainda se formam e vêm do pacífico, mas param quando chegam ao paredão.
A última que chegou na América do Sul foi bloqueada na fronteira do Brasil e provocou inundações esta semana na Argentina e no Uruguai.
Quanto mais tempo dura o fenômeno, pior fica. “A gente não tem chuva, não temos precipitação, e o solo vai ficando cada vez mais seco, a energia do sol vai aquecendo mais o solo e, portanto, a atmosfera. Então, à medida que os dias se passam e a umidade vai ficando mais baixa, a temperatura máxima também vai sendo mais elevada”, explica Marcelo Seluchi, meteorologista.
As noites não refrescam, e cada dia amanhece mais quente. Por isso, tantas cidades brasileiras tiveram temperatura recorde esta semana.
E nosso modelo urbano, com muito concreto e pouco verde, não ajuda em nada. “Você está formando ilhas de calor. E o que são ilhas de calor? São exatamente ambientes onde você tem materiais que absorvem cada vez mais calor, e, com isso, aumentam essa sensação desconfortável, como é com asfalto, cimento”, diz Suzana Kahn, professora de mudanças climáticas da UFRJ.
E deve piorar até o fim do século. “Você tem uma expectativa de aumento de temperatura nas cidades brasileiras na ordem de 1°C a 6°C. Ou seja, cada vez que vier uma onda de calor, ela vai ser um pouco pior. E cada vez elas virão com maior frequência”, afirma Suzana Kahn.
A temperatura da água do mar também está batendo recordes. Está acima do esperado em uma grande faixa do Atlântico Sul.
O banho de mar fica mais agradável, mas os prejuízos são grandes.
É esse calor o responsável pela espuma vista em muitas praias do Sul e Sudeste, resultado da morte de algas em altas proporções. Em uma foto do satélite dá para ver, formando uma mancha de 800 quilômetros.
E a água quente ajuda a aumentar o calor em terra. É um círculo que se auto-alimenta. A água quente fortalece o sistema de alta pressão, que por sua vez aquece ainda mais a água.
“A influência do oceano na atmosfera é muito importante, e a atmosfera por sua vez influencia no oceano”, diz Marcelo Seluchi.
Mas água quente não evapora, formando nuvens e provocando chuva? Deveria. Só que há outra força em ação. É como ligar o secador de cabelo sobre uma bacia de água quente: o ar quente e seco não deixa o vapor subir.
O que faz o papel de secador é uma corrente que vem de muito alto, 12 quilômetros acima da superfície, e desce para dentro do sistema de alta pressão, impedindo que a umidade se espalhe. Quando essa corrente de ar quente e seco parar, o vapor vai se formar de novo.
Agora, sem umidade, não tem nuvem. Sem nuvem, não tem chuva.
Mesmo sem chuva, as nuvens são importantes para diminuir o calor, não só porque elas agem como uma sombrinha, ou guarda-sol. Quanto mais altas e com mais cristais de gelo, mais refrescam o ambiente. É que, lá no alto, elas agem como um refletor, jogando de volta para a atmosfera a luz e o calor do sol.
O climatologista Paulo Nobre conta que um fenômeno muito parecido ao de agora foi visto por cientistas uma vez antes, no verão de 2001.
Isso não significa que não tenha acontecido outras vezes, mas não há registro desde que se acompanha o clima no Brasil. E pode já ser parte das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global.
“É um fenômeno extremo, de seca. Ele está associado ao que nós esperamos ser um cenário de mudanças climáticas. Um cenário no qual você tem um período de estiagem muito prolongada, em uma parte do planeta, frio intenso em outra parte”, declara Paulo Nobre, pesquisador do INPE.
Enquanto torramos aqui, os ingleses tentam escapar das inundações e os americanos estão em um dos piores invernos da história.
Fantástico: A gente sabe quanto tempo vai durar isso?
Paulo Nobre: Ele dura mais tempo. Por exemplo, em 2001, quando nós tivemos essa situação, ela durou dois meses.
Em 2001, só choveu no fim de fevereiro. E agora?
Fantástico: Quando isso vai acabar? Quando é que vai desligar o maçarico?
Marcelo Seluchi: A resposta mais honesta é não sabemos.
E como o fenômeno é pouco conhecido, os cientistas não sabem dizer quando ou como ele desaparece. Os modelos matemáticos só conseguem prever o que vai acontecer com sete a dez dias de antecedência.
“Nos próximos dez dias não deve chover de forma importante na região Sudeste, em boa parte do país, na verdade. Alguma pancada, muito isolada, muito rápida, mas não vemos uma normalização das condições atmosféricas. Então, provavelmente nós vamos ter um dos verões mais quentes da história e mais secos da história”, afirma Marcelo Seluchi.
E se não há nada a fazer senão esperar, melhor fazer como a multidão reunida no Arpoador, no Rio de Janeiro e apreciar o pôr do sol, que sem a umidade do ar, fica ainda mais lindo.