Quantas vezes, no meio do trânsito, você se lamentou do fato que sua casa e emprego estão há quilômetros de distância? Até que ponto, vale a pena abrir mão de um bom salário para trabalhar perto do local onde você mora?
MARCIA DESSEN *
Compensa mudar para emprego perto de casa e ganhar menos?
O que você pediria ao gênio da lâmpada que atenderá só um pedido? Tempo, responderia José, sem dúvida.
Ele se deu conta de que precisa de mais tempo para si, para a família, para o lazer. Não está mais disposto a perder três horas diárias no ir de casa para o trabalho e voltar.
José está analisando com muito carinho uma proposta de emprego que recebeu para trabalhar em uma empresa sólida, instalada no mesmo bairro em que mora.
Se aceitar a proposta, ele terá duas horas a mais por dia para usar como quiser (que maravilha!) e talvez consiga reduzir as despesas do orçamento porque, nesse caso, a família não precisará mais de dois carros.
Só tem um problema: o salário é menor do que o atual.
José teve uma boa conversa com um amigo que fez essa mudança há algum tempo. O salário, embora importante, não é a única variável que precisa ser analisada.
As empresas oferecem benefícios que representam renda indireta a seus funcionários e José precisa avaliar o conjunto "salário + benefícios" para fazer uma análise comparativa adequada e tomar essa importante decisão.
No emprego atual, José recebe salário bruto mensal de R$ 3.500. Além do 13º salário e das férias, tem direito ao vale transporte e ao plano de saúde familiar, benefícios dos quais ele não abre mão.
A empresa que fica no bairro onde José mora tem uma proposta de trabalho interessante e oferece uma oportunidade de aprendizagem que José gostaria de aproveitar.
Mas o salário é de R$ 3.300. O pacote de benefícios é semelhante ao da empresa atual, com uma vantagem adicional: um plano de previdência complementar patrocinado pela empresa.
BENEFÍCIO NOVO
A empresa ensina e incentiva seus funcionários a pensar e a planejar o futuro -sabe que a aposentadoria oficial oferecida pelo governo é insuficiente para bancar o orçamento familiar por ocasião da aposentadoria.
José tem convicção de que cada indivíduo deve formar uma reserva financeira visando complementar o fluxo de renda necessário para manter o padrão de vida e custear as necessidades básicas dele e da família.
Mais do que ensinar e incentivar, a empresa efetivamente contribui para a formação dessa reserva financeira. No seu plano de previdência complementar, os funcionários podem investir livremente o percentual do salário que cada um julgar adequado poupar para essa finalidade.
Para cada 1% do salário investido pelo funcionário, a empresa coloca mais 1% no plano de previdência desse empregado. Ou seja, José teria 2% do salário depositado em um plano de previdência, sendo que apenas 1% saiu do seu bolso. A empresa limita esse benefício a 5% do salário de cada funcionário.
FAZENDO AS CONTAS
Para avaliar o valor desse benefício, José fez uma simulação considerando que irá aplicar 5% do seu salário para ter direito ao limite máximo patrocinado pela empresa. E, como se trata de um benefício de longo prazo, é justo calcular os rendimentos que essa poupança "forçada" irá proporcionar.
José decide usar uma taxa de juros conservadora de 3% ao ano, livre de impostos e da inflação.
Para simplificar a simulação, José ignorou a evolução salarial ao longo do tempo e trabalhou com um salário atual estável de R$ 3.300 (ver quadro acima). Sabe, entretanto, que o benefício será maior do que o apurado.
BENEFÍCIO MAIOR
José percebe que, se aceitar a proposta de trabalho da nova empresa, receberá salário bruto de R$ 3.300 mais R$ 165 no plano de previdência, totalizando R$ 3.465, inferior ao seu salário atual.
Porém, ele avalia que reduzirá o gasto com transporte e, talvez, com refeições que podem ser feitas em casa. Comerá melhor e gastará menos.
Mas talvez o maior benefício de José seja o aprendizado de poupar, com disciplina, 5% do seu salário todos os meses. Esse é o esforço que a empresa exige de seu funcionário para que o benefício seja concedido.
José procurou entender melhor as outras regras do benefício e sabe que, para fazer jus ao dinheiro depositado pela empresa, terá de ficar nela pelo prazo de, pelo menos, cinco anos.
Se optar por sair do emprego antes disso, levará somente a parte que saiu do seu bolso, deixando para trás o salário indireto depositado pela empresa. É um belo incentivo para permanecer na empresa, não é mesmo?
TEMPO
O grande benefício de José, entretanto, é difícil de avaliar. Ele até pode calcular, com base no seu salário, o custo de oportunidade de duas horas diárias demandadas pelo emprego atual.
Mas existe um valor, não monetário, que poderá definir a parada. José sabe que o valor dessas duas horas diárias é muito maior do que o valor financeiro calculado por qualquer modelo que se possa adotar. E vai levar isso em conta na hora de decidir se fica ou se muda de emprego.
* MARCIA DESSEN, Certified Financial Planner, é sócia e diretora-executiva do BMI Brazilian Management Institute, professora convidada da Fundação Dom Cabral e cofundadora do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros