O 'velho' cowboy |
Ao passar sua carreira em revista, num bate-papo de 45 bem-humorados
minutos ao telefone diretamente da Califórnia, Clint Eastwood, 81 anos,
enxota sempre que pode a palavra “aposentadoria” do discurso. Trabalho
não falta ao último mito vivo do faroeste, cuja obra está em
retrospectiva até 16 de fevereiro no Instituto Moreira Salles, no Rio.
Além disso, seu filme mais recente, J. Edgar, com Leonardo DiCaprio, inicia carreira em circuito brasileiro. Como diretor, ele prepara agora uma refilmagem do musical Nasce uma estrela, com
Beyoncé. Na entrevista, Eastwood analisa o trabalho de DiCaprio como o
líder do FBI, lamenta a ausência de bons westerns e relembra os desafios
por que passou no início de sua carreira como realizador.
Qual é a sensação de ser uma referência no cinema?
Clint Eastwood -
É difícil julgar meu próprio trabalho, assim como é difícil controlar a
imagem que as pessoas fazem de mim. O público tem toda a liberdade para
me interpretar como quiser. Alguns veem certos papéis que fiz como
modelos. Já outros olham meus personagens com mais distanciamento. Não
penso muito sobre isso. Aprendi a atuar de maneira instintiva.
Para além do instinto, o senhor consegue identificar uma questão que norteie todos os seus filmes como diretor?
Eastwood -
Talvez essa questão exista, mas não consigo identificá-la, pois tenho
feito filmes sobre pessoas muito diferentes umas das outras. Por um
lado, faço longas-metragens sobre pessoas que lutam para seguir adiante
em seus objetivos, como Menina de ouro. Do outro, falo de tipos
talentosos, mas autodestrutivos, como Bird. E há ainda filmes sobre
gente que luta para afirmar sua individualidade a partir de seu próprio
código moral, como J. Edgar. O que pode haver de típico na minha
trajetória como diretor é o fato de falar desses personagens explorando
prós e contras de suas atitudes. Sempre glorifico o indivíduo em seu
conflito contra inércias burocráticas.
Falando de burocracia, J. Edgar tenta
abordar a figura do mais célebre dos diretores do FBI para além de
estereótipos. O senhor deixa de lado J. Edgar Hoover, o mito, para
abordar J. Edgar Hoover, o homem. Houve alguma instrução especial para
Leonardo DiCaprio na construção do papel?
Eastwood - A
imagem que a minha geração guardou de J. Edgar Hoover é a figura do
“tira absoluto”, do policial perfeito. Eu me lembro dele desde que era
criança, lendo histórias em quadrinhos sobre seus feitos. Sempre me
intrigou perceber que aquele homem ficou décadas no poder, à frente do
FBI. Tenho a sensação de que o roteiro de Dustin Lance Black ofereceu a
DiCaprio elementos para desmistificar Hoover. DiCaprio se preparou para
interpretar alguém que acreditava em seu próprio heroísmo. E, como ator,
vai, pouco a pouco, desvelando as camadas mais frágeis de seu
personagem.
J. Edgar gerou críticas pela maquiagem usada para envelhecer DiCaprio. O senhor acha que errou no filme?
Eastwood -
Não foi fácil fazer essa caracterização. É difícil usar um mesmo ator
para representar uma pessoa aos 22 anos e aos 77. Até porque é difícil
ter uma noção precisa da aparência que uma pessoa de 22 anos vai ter aos
77. Não dá para agradar sempre em tudo.
Fazer um filme sobre o
diretor do FBI num ano de eleições em que o senhor já demonstrou
simpatia por Herman Cain (pré-candidato à presidência dos EUA pelo
Partido Republicano) é uma atitude política?
Eastwood -
Eu só tenho certeza de que J. Edgar Hoover era uma figura política. Ele
usou ferramentas políticas para se manter no poder, e isso está na
tela. Ninguém podia demiti-lo, porque guardava segredos capazes de
destruir muita gente.
É comum a crítica mencionar a
importância de sua parceria com dois diretores, Sergio Leone e Don
Siegel. Mas, na prática, o que eles agregaram ao seu olhar?
Eastwood -
Com Leone descobri um ponto de vista estrangeiro sobre um gênero
essencialmente americano, que é o faroeste. Ele tinha um senso de humor
incrível e um interesse por um realizador que também me apaixona, que é
John Ford. Já Don Siegel, que fez mais policiais do que “westerns”,
tinha um rigor compatível com a velha escola do cinema, de nomes como
Howard Hawks e Raoul Walsh. Aprendi muito também nos seriados que fiz na
TV. Em cada programa em que atuei havia uma variedade de boas ideias,
algumas aproveitadas, outras, não. Recuperei muitas delas nos filmes que
dirigi.
Os imperdoáveis, que lhe deu seu primeiro Oscar, foi descrito muitas vezes como o derradeiro faroeste. Recentemente, os irmãos Coen vieram com Bravura indômita e fizeram enorme sucesso. O filme deles prova que o gênero sobrevive?
Eastwood - Nunca mais filmei um western porque nunca mais li um bom roteiro do gênero. Um remake, como Bravura indômita, é
divertido só de vez em quando. Prefiro acreditar que o cinema cresce
mais quando se buscam tramas originais. As histórias que me instigam são
as que driblam o lugar-comum. Ainda tenho vontade de fazer um
bangue-bangue. Estou à caça de um roteiro criativo.
Com Don Siegel, filmou Perseguidor implacável (1971),
em que surgiu Dirty Harry, seu personagem mais famoso. Qual a
importância de Dirty Harry e sua Magnum 44 para sua trajetória nas
telas?
Eastwood - Ofereceram Dirty Harry a mim antes de procurarem Sinatra, mas, como eu estava preparando Perversa paixão, meu
primeiro filme como diretor, foram atrás dele. Como Sinatra não pôde
fazer, os produtores voltaram a mim, que já estava livre. Nos EUA da
década de 1970, Dirty Harry surgiu como alguém que não suportava a
burocracia no exercício de seu dever.
Quatro anos depois de Gran Torino, cuja bilheteria, de US$ 148 milhões, é considerada a maior de sua carreira, o senhor vai voltar a atuar. Só que sem dirigir. Trouble with the curve, seu novo longa, é dirigido por Robert Lorenz. Quando o senhor entra no set?
Eastwood - A
gente começa a filmar em três meses. Eu interpreto um olheiro das
quadras de beisebol que caça jovens talentos. No filme, tenho uma filha,
vivida pela Amy Adams, com quem não venho tendo uma boa relação. Na
trama, a gente ensaia uma reaproximação. Eu não tenho atuado muito
porque são poucas as boas ofertas de roteiro que me instigam. Essa me
atraiu.
Parar de filmar nem pensar?
Eastwood -
Nunca. O melhor conselho que posso dar a quem está começando, como ator
e diretor é: siga em frente, sempre. Estude. Estude muito. E siga seus
próprios instintos, mesmo que isso signifique ir numa direção contrária à
que as pessoas te recomendam. Se você ouvir tudo o que dizem, você não
filma. Portanto, filme.
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