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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Brigas internas e estratégia do Planalto travam operações da PF contra corrupção

Na corporação, delegados e agentes divergem sobre atribuições; por ordem do governo, prioridade agora está em grandes eventos e combate ao tráfico de drogas

Considerada uma das instituições com maior credibilidade no País, a Polícia Federal (PF) vive uma crise de identidade. Segundo delegados e agentes, uma mudança de orientação do governo federal tem consequências diretas nas operações de combate à corrupção, que nos últimos anos se tornaram marca registrada do órgão. Além disso, segundo integrantes da corporação, a crise se agrava diante de uma disputa velada de poder entre agentes e delegados.


No ano passado, o governo Dilma Rousseff (PT) redirecionou o planejamento estratégico da PF e mudou o foco de trabalho no órgão. Se antes o órgão tinha como prioridade ações contra a improbidade administrativa e desvio de recursos públicos, hoje as ações prioritárias da PF estão voltadas ao combate ao tráfico de drogas, resguardo das fronteiras brasileiras e ações estratégicas dos grandes eventos.

Essa mudança de prioridade irritou uma parcela dos delegados e agentes da PF. Para eles, a alteração transformou a Polícia Federal de um órgão estratégico dentro do governo para uma polícia de caráter meramente administrativa. De acordo com um delegado ouvido pelo iG , a avaliação é de que, embora também sejam “importantes”, as medidas de combate ao tráfico e segurança em eventos não garantem à Polícia Federal a mesma “notoriedade” conquistada com grandes operações de combate à corrupção dos anos 2000.

Segundo fontes da PF, os principais eventos realizados este ano, como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), entre os meses de junho e julho, praticamente paralisaram as investigações.

Hoje, a PF tem aproximadamente 13 mil servidores, incluindo os delegados. Desses, 3,5 mil servidores, entre os quais investigadores, foram deslocados especificamente para o esquema de segurança da Copa das Confederações. Os homens da PF foram usados, por exemplo, como guarda-costas do presidente da Fifa, Joseph Blatter, e do secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, no período em que eles estiveram no Brasil.

A situação foi semelhante na Jornada Mundial da Juventude. Pelo menos mil agentes e servidores da PF foram deslocados também de ações de investigação para atuar na segurança do papa .

“O órgão passa por uma falência total. Enquanto não acontecer um grande encontro para que possamos trabalhar em um novo projeto de instituição, a PF está com os dias contados”, declara o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Jones Borges Leal. Essa mudança de foco é um dos motivos apontados pela Fenapef pelo alto grau de insatisfação dos agentes. Segundo pesquisa divulgada em julho pela Fenapef, 90% dos servidores sentem-se subaproveitados. “Se antes era orgulho trabalhar na PF, hoje servidores mais antigos contam os dias para entrar com pedido de aposentadoria”, diz Leal.

Disputa

Se de um lado a mudança de foco e os constantes contingenciamentos de investigadores são apontados como um obstáculo ao combate à corrupção, do outro delegados e agentes disputam o poder para comandar e dar encaminhamento às investigações.

Os delegados reclamam de atos de insubordinação de agentes. E os investigadores se proclamam vítimas de assédio moral e alegam que, somente no ano passado, 12 servidores teriam cometido suicídio por esse motivo. Uma assertiva classificada como desonesta pelos delegados.

Hoje, os agentes lutam por uma reestruturação da PF e querem dividir o órgão em três áreas: polícia técnica (responsável por laudos e perícias), comandada por peritos; polícia administrativa (responsável por expedição de passaportes, por exemplo) e polícia judiciária, esta a ser comandada por delegados. Nessa estrutura, os agentes conseguiriam tirar força e poder dos delegados de polícia, responsáveis pelo comando de todas as áreas da PF.

Essa disputa de poder resultou, por exemplo, em algumas situações inusitadas. No início deste ano, o iG revelou que houve a distribuição de uma cartilha recomendando que os agentes cruzassem os braços diante de serviços que não estejam dentro das atribuições previstas em lei . Pela legislação, o responsável pelos inquéritos é o delegado de polícia. Assim, alguns agentes passaram a não transcrever escutas telefônicas das operações relacionadas ao combate à corrupção. Agora, essa função, considerada uma das mais importantes (e tediosas) do processo de investigação, passou a ser feita apenas pelos presidentes dos inquéritos.

Esses atos de indisciplina provocaram uma reação dos delegados, que pediram maior rigor do diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra. Os delegados cobram punições mais pesadas contra os investigadores que desacatem ordens superiores. “Esses agentes querem que o rabo abane o cachorro”, comparou um delegado que preferiu não se identificar.

O desentendimento entre agentes e delegados ficou ainda mais evidente em junho deste ano, quando foi expedido um comunicado interno ratificando as diretrizes da lei 12.830/2013, que regulamenta a investigação criminal dos delegados de polícia (inclusive os da PF).

Além de ratificar que cabe “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, a condução da investigação criminal” a lei ainda afirma que o cargo de polícia é privativo de bacharel de Direito “devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”. Na interpretação dos agentes, o comunicado interno obrigou os agentes de polícia a chamar os delegados da PF de “vossas excelências”. Os delegados negam.

A situação acirrou o ânimo entre agentes e delegados. “Os delegados entendem as reivindicações legítimas dos agentes, mas esperam que haja a superação desse momento de negociação com o governo para que possamos retomar as atividades da PF à normalidade”, amenizou o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Marcos Leôncio Ribeiro.

A disputa entre delegados e agentes é tão evidente que dentro da PF não houve consenso nem quanto a um posicionamento oficial relacionado à PEC 37, que retirava o poder de investigação do Ministério Público. Caso a PEC 37 tivesse sido aprovada pelo Congresso, a PF e as polícias estaduais monopolizariam as investigações criminais e de combate à corrupção. Por isso, delegados da PF são favoráveis à PEC 37; já os agentes, temendo um ganho de poder dos delegados, lutaram pela derrubada da emenda.

A direção Polícia Federal foi procurada pela reportagem para comentar esses desentendimentos internos, mas preferiu não se pronunciar.

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