Rodrigo Constantino
"Os riscos da incompetência privada são
limitados; os erros da incompetência pública, ilimitados." (Roberto
Campos)
O economista e diplomata
Roberto Campos foi sem dúvida uma das grandes figuras públicas brasileiras no
século passado. Detentor de uma rara objetividade, de uma visão imparcial dos
fatos e de um grande senso de humor, participou dos mais importantes acontecimentos
históricos da nação em uma posição privilegiada de observador próximo, muitas
vezes como agente ativo inclusive. Seu denso livro de memórias, Lanterna na Popa, acaba sendo um livro da história do país durante o
período de sua vida, contada por uma mente lúcida, que teve a oportunidade de
vivenciar vários fatos relevantes, e que infelizmente não foi capaz de
influenciá-los mais. Ele tentou, usando de sólidos argumentos. Lamentavelmente,
a racionalidade não era esporte predileto abaixo da linha do Equador.
Logo no começo do livro,
Campos afirma que o igualitarismo, que trouxe como inevitável conseqüência o
dirigismo estatal, busca socializar os resultados da produção, gerando em sua
forma extrema o comunismo, que socializa os meios de produção. Isso gera
somente pobreza e miséria.
Essa visão hoje é amplamente
aceita, até porque negá-la seria fechar os olhos para toda uma nefasta
experiência que deixou um rastro de milhões de mortos, fora outros tantos
milhões de miseráveis. Mas na época de Campos, essa visão era a predominante
por aqui, conquistando muitos adeptos.
Em sua forma moderada, o
igualitarismo produz o welfare state, que ainda é visto por muitos
como um ideal a ser alcançado. Roberto Campos, ao contrário, já compreendia que
esse modelo é infinitamente mais ineficiente que aquele de livre mercado.
Um ponto onde Campos sempre
concentrou seus esforços de persuasão foi a visão de que nossos males têm causa
exógena. Ele fez de tudo para mostrar que nossa pobreza "não pode ser
vista como uma imposição da fatalidade". Ela é resultante de um "mau
gerenciamento e negligência na formação de capital humano". O Brasil
conviveu muitos anos – e ainda convive – com a busca por bodes expiatórios que
pudessem ser responsabilizados pelos nossos fracassos.
Os Estados Unidos, o FMI, a
globalização – muda-se o alvo, mas se mantém a mesma desculpa esfarrapada de
sempre, evitando uma autocrítica que permita um aprendizado através das falhas.
Eis o caminho de permanecer na mediocridade. E eis o que Roberto Campos sempre
combateu.
Os modismos ideológicos sempre incomodaram muito Roberto
Campos.
Ela menciona que numa
determinada época a moda era enaltecer o totalitarismo de direita, na imagem de
um déspota esclarecido, apenas para virar moda depois o totalitarismo de
esquerda, sob a capa das "democracias populares". O que faltou sempre
foi bom senso, respeito à lógica e apreço pela liberdade individual. Dependendo
da fase do modismo, o rótulo usado para descrever Campos mudava. Os
esquerdistas, por exemplo, gostavam de chamá-lo de "reacionário",
enquanto a defesa do verdadeiro progresso vinha justamente dele, contra o
retrocesso pregado pelos seus detratores.
A revolta dos falsos
nacionalistas foi uma constante na vida de Campos. Entre os principais motivos,
estava a criação da Petrobrás. Ele sempre defendeu a competição no setor,
através de empresas privadas, inclusive as de capital estrangeiro. De onde
vinha o dinheiro não lhe preocupava, mas sim ter a produção do importante
produto. Eis o modelo americano, país onde o petróleo não poderia ser mais
estratégico! Mas os devaneios nacionalistas falaram sempre mais alto que a
lógica, e um monopólio estatal foi criado, com enormes custos para a população,
muitas vezes ignorados pela visão míope que olha apenas um lado da moeda e
esquece-se dos custos de oportunidade.
O mesmo princípio iria
levá-lo mais tarde a combater duramente a famosa Lei da Informática, de 1984,
que rejeitava capitais estrangeiros nesse setor fundamental para o avanço
econômico. O resultado não poderia ser diferente: condenar o país ao atraso
tecnológico. Na Constituinte de 1988, lutou também contra a exigência de
maioria de capitais nacionais na exploração mineral.
O colosso em que a CVRD se
transformou após a privatização não deixa dúvidas sobre o que o próprio Campos
constatou: "Em todos os três casos, estava redondamente certo".
Infelizmente, foi derrotado em todos.
O Brasil perdeu.
O exemplo do sucesso
asiático, quando comparado com o fracasso brasileiro, expunha a enorme
oportunidade perdida, que tanto angustiava Roberto Campos. Um dos alvos era o
câmbio artificialmente fixado, enquanto ele defendia uma livre flutuação. Mas
para ele, a diferença relevante estava entre o desenvolvimento orientado para a
exportação, que "impõe o constrangimento da eficiência", ou o
desenvolvimento introvertido, que "acoberta ineficiências através do
protecionismo". Que país poderia ser o Brasil hoje se as idéias de Campos
tivessem tido eco naqueles dias!
Enquanto ainda hoje são
poucos os economistas que leram – quiçá absorveram – as idéias da Escola
Austríaca, nos tempos de Campos essa quantidade era ainda menor. Ele afirma no
livro que "verificou-se que as objeções dos liberais austríacos às
economias planificadas, proferidas na década dos vinte, eram absolutamente
válidas e incrivelmente proféticas".
Quanto absurdo poderia ter
sido evitado se figuras como Hayek e Mises fossem mais estudadas! Na contramão
da história, os economistas brasileiros adoravam adorar as idéias cepalistas,
que fracassaram em todos os países latino-americanos que revolveram aplicá-las.
Preferiram, em suma, acreditar nas "veias abertas da América Latina",
mas acabaram seguindo o "manual do perfeito idiota latino-americano".
Um texto desses não pode ter
a pretensão de sequer raspar a superfície do conteúdo do livro de Roberto
Campos, um "tijolo" de quase 1.500 páginas riquíssimas em detalhes. O
que pretendo é apenas tentar passar uma visão muito geral da obra, estimulando
assim que o leitor vá direto à fonte. Entendo que o tempo é escasso, e que um
livro desse tamanho assusta, afugenta de cara diversos potenciais leitores. Mas
atesto que o tempo dedicado é puro investimento, e dos melhores.
O livro conta o filme do
Brasil no século passado, um filme que poderia ter um final muito feliz,
tivesse tido como roteirista Roberto Campos. Talvez não seja tarde demais para
isso. Não se pode voltar no tempo, mas se pode mudar o futuro.
A tragédia bate à porta, com
uma inacreditável insistência nos mesmos erros antes cometidos. Muito daquilo
que ainda se discute no país já possui resposta no livro de Campos. Analisar o
que poderia ter sido serve para alterar o que vai ser.
A lanterna na popa que
Roberto Campos acendeu pode ainda ser uma luz na proa, iluminando nosso futuro.
Basta vontade para tanto!
Posted by Rodrigo Constantino
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