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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

" Visionários Saudosistas "



Gênios do pau-de-arara e saudosistas da violência



"...a herança de 1964 criou dois grupos: o dos gênios-do-pau-de-arara e o dos saudosistas da violência..."


Outro dia li alguém dizendo que o golpe de 1964 foi nosso Holocausto. Um exagero que me envergonha profundamente pela burrice nele contida. Não que não seja uma ferida, mas daí a comparar este evento com o que gerou seis milhões de mortos é um longo e estéril caminho. A História do Brasil tem muitos outros eventos importantes (Canudos, Guerra do Paraguai, séculos de escravidão), mais sangrentos, mais violentos e, sobretudo, muito mais determinantes para uma análise da situação atual do País.
Ora, mas por que, então, nos detemos tanto no golpe de 1964? Primeiro porque foi um evento que teve ampla cobertura da imprensa numa época em que a informação começou a chegar em grande quantidade ao maior número de pessoas possível. E também porque o golpe demarcou territórios ideológicos em plena Guerra Fria. O que vemos, lemos e ouvimos sobre 1964 é menos pela importância do evento em si (afinal, o golpe não derramou uma gota de sangue sequer) e mais pela repercussão. 

Curioso é perceber que a dicotomia ainda permanece. Esquerda e direita, no Brasil, continuam se digladiando numa guerra caduca. No caso, a herança de 1964 criou dois grupos: o dos gênios-do-pau-de-arara e o dos saudosistas da violência (ou marias-sentinelas, se preferirem). 

Há muito tempo venho dizendo que há pessoas que têm de creditar a carreira e a fama aos militares que derrubaram João Goulart. São os chamados gênios-do-pau-de-arara – com todo o respeito. A maioria, aliás, sequer foi torturada. Como em todas as faces da história, o suplício de verdade coube aos peixes menores. Os outros apenas levaram a fama de resistentes. Os gênios-do-pau-de-arara são o cancro da cultura nacional. E eu não acredito na cura. 

Não que não tenham sofrido. Uma vez conversei com um amigo meu, jornalista, que nunca usou o fato de ser de esquerda como muleta para o sucesso que, aliás, não surgiu para ele ainda. E o relato que ele fez do medo me impressionou bastante. O jornalista em questão nunca foi preso, jamais foi torturado e tampouco se envolveu em guerrilha urbana. Mesmo assim sentia medo. 

Trata-se de violência psicológica e a violência psicológica é, claro, um tipo cruel de violência. Mas penso que também é violência usar da lembrança e, pior, da suposição desta violência para legitimar a manutenção de um discurso artístico conservador. 

A cada vez que escuto alguém dizer que o livro ou a música ou a peça é boa porque, afinal, eu lutei contra os militares, eu fui da resistência, eu lutei pela democracia, etc., sinto calafrios. Porque prevejo, com um índice de acerto que beira os 100%, que ali há mediocridade em estado puro. 

Os gênios-do-pau-de-arara infestam nossa literatura, nossos cinema, nossa dramaturgia e nossa música. E o pior é que há sempre alguém para dizer que o golpe de 1964 foi nosso Holocausto e, assim, conferir uma dimensão trágica que o evento simplesmente não teve. Foi, no máximo, um arranhão, dos tantos que a história da América Latina já viu. Mas não tem nada a ver com fratura exposta, não, senhor. Ademais, é sempre uma boa desculpa para vender livros, músicas e bilhetes para filmes capengas. 

O golpe não é, nem de longe, nosso Holocausto. Mas, por outro lado, denuncia nossa necessidade de ter algo semelhante. É mais um sintoma de nosso complexo de inferioridade – como se isso fosse possível. 

Por outro lado, o que se vê surgir nos 40 anos do golpe de 1964 são os saudosistas da violência. Trata-se de gente nova, que nasceu já durante a abertura, entre 1976 e 1986. Cresceram, portanto, num país em recessão permanente, conviveram com um sem-número de trocas de moedas e viram o país mergulhar, nos últimos anos, num verdadeiro caos instalado em nome da democracia. É gente órfã de autoridade, sebastianistas em último grau, que sentem uma saudade danada da farda que mandava e desmandava sem ter de dar satisfação. 

Eu tinha tudo para ser um destes saudosistas. Porque cresci num ambiente que exaltava as conquistas dos militares: a baixa inflação, o pleno emprego, o crescimento milagrosos e até as conquistas do futebol. Tudo isso em contraposição à baderna de agora, quando os subversivos de antanho alcançaram o poder. Mas não sou. Até porque odeio dicotomias. 

O que mais me assusta é notar que os gênios-do-pau-de-arara estão envelhecendo e morrendo junto com seus exageros de falso heroísmo, enquanto os saudosistas da violência estão aumentando e rejuvenescendo, sob as ordens de um homem que em tudo é semelhante ao camarada Mao ou ao camarada Stálin – ainda que negue isso terminantemente, sob a batina de um padre qualquer. O nome do diabo eu não o transcrevo, até porque a ausência é uma de suas principais características. 

Interessante é notar que ambos são lados de uma mesma moeda, porque ambos são canibais de um evento histórico supervalorizado. Os gênios-do-pau-de-arara estão até hoje à procura de um herói que jamais existiu; mais do que isso, vasculham a tal da alma nacional em busca de algo que legitime a resistência daquela época, pela qual pereceram (ou dizer ter perecido). Já os saudosistas são menininhos mimados à procura de algo que dê sentido às suas vidas cheias de luxo e conforto. E que explique para eles o caos que não compreendem e têm preguiça de consertar. 

Ambos os grupos apontam para os militares, só que em direções opostas. Ambos sugam o golpe de 1964, os primeiros como expiação para seus pecados, os demais como esperança para seus anseios. E é no meio desta batalha que surgem besteiras de todos os tipos. Como a do senhor doutor Qualquer Coisa que disse que 1964 era nosso Holocausto. 

Entre a caça aos heróis inexistentes ou aos salvadores de quepe, prefiro a simplicidade do queijo coalho na praia e, sobretudo, a sabedoria de compreender que tudo isso não passará de uma nota de rodapé num futuro livro de história. Superdimensionar os acontecimentos e conferir a uma geração status de mártir ou messias é próprio de ególatras. 

E, sinceramente, a existência dos ególatras (gente banal com potencial para genocidas) é a única semelhança que consigo ver entre a maluquice de 1964, os gênios-do-pau-de-arara e os saudosistas da violência.

Nota do Editor
Paulo Polzonoff Jr. assina hoje o blog O Polzonoff.   

                        
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