Falta de servidores para iniciar processos previstos no Código de Trânsito faz com que a cada dia 67 gaúchos que deveriam ter habilitações suspensas continuem ao volante
Nove itens do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelecem, como punição para o motorista que os infringir, a suspensão da carteira. Mas, por falta de pessoal para analisar tantas infrações, as autoridades gaúchas só punem quem burlar dois desses artigos: os que se referem à embriaguez ao volante e o de excesso de velocidade, ainda assim, apenas casos que chamam a atenção das autoridades.
As outras sete irregularidades cometidas permanecem sem o castigo previsto. E essa situação de impunidade se repete desde o advento do novo código, em 1998.Desde então, 342.616 motoristas deveriam ter a carteira de habilitação recolhida por terem afrontado algum destes sete artigos: 170 (dirigir ameaçando os pedestres), 173 (disputar corrida), 174 (competir com veículo na via pública), 175 (manobra perigosa), 176 (deixar de socorrer vítima, quando envolvido em acidente), 210 (furar barreira policial) e 244 (conduzir moto sem capacete, de faróis apagados ou levando criança menor de sete anos). Os infratores deveriam ter o documento suspenso, mas não tiveram. Foram punidos apenas com multa. O levantamento se refere a infrações, o que leva a crer que alguns motoristas escaparam da suspensão mesmo após reincidirem nas infrações. A estatística é do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Os números indicam que, nos últimos 14 anos, a cada dia, 67 condutores deixaram de ser devidamente punidos. Ficaram livres do castigo que os motoristas mais temem: o recolhimento da carteira, por período mínimo de 30 dias e máximo de 12 meses.
O Detran tem uma explicação para isso: por faltar servidores, tem de eleger prioridades – e as escolhidas são excesso de velocidade e embriaguez ao volante. Um terceiro tipo de irregularidade, não relacionada a artigos do código, também tem resultado em suspensão do documento: é quando o condutor atinge 20 pontos em um ano na carteira (várias infrações graves, por exemplo). O que leva à dedução de que muitos que não perderam a licença em decorrência de dirigir mal acabaram tendo o documento recolhido porque atingiram o limite de pontuações negativas.
– Até pode ser, mas a questão é que esses 342 mil não foram punidos como deveriam e pelas regras que infringiram. É um mau exemplo – critica o advogado e professor universitário André Luís Souza de Moura, que trabalha há 23 anos com Direito de Trânsito e foi auditor do Detran.
O presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), Jaime Pereira (que é técnico na área de trânsito há três décadas) também considera uma falha a ausência de suspensão da carteira nos artigos em que ela está prevista.
– Todo instrumento para reeducação, incluindo punições, é válido e necessário. Se o motorista entender que sua falha será punida com penalidade mais grave, é grande a probabilidade de que se sinta coagido a não cometer ou repetir a infração– resume.
O advogado Moura ressalta que não é apenas em relação a suspensões de carteira que as autoridades gaúchas deixaram de realizar o previsto em lei. O Código de Trânsito determina, para casos mais graves, a cassação direta da licença do motorista (por um a três anos ou até por tempo indeterminado). Isso acontece quando o condutor for reincidente na suspensão ou quando estiver conduzindo veículo mesmo com carteira suspensa. Ou, ainda, quando é condenado judicialmente por crime de trânsito.
Pois o Detran também nunca instaurou processos de cassação pelos artigos previstos no CTB (os mesmos da suspensão), desde 1998. Inexistem estatísticas sobre quantos deveriam ter sido cassados, mas a justificativa é a mesma referente às suspensões: falta de funcionários para analisar tantos processos. As cassações, quando ocorrem, são por condenação judicial.
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