Caso o governador cumpra a promessa de pagar o piso, não poderá honrar outro compromisso de campanha, o de não mexer no plano de carreira dos professores
Marcelo Gonzatto | marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
O governo gaúcho enfrenta um dilema entre duas promessas de campanha: pagar o piso nacional do magistério ou preservar o plano de carreira da categoria. Segundo especialistas, cumprir as duas determinações seria tarefa impossível. A estrutura atual da carreira de professor, com grande diferença entre os níveis salariais mais altos e a base da folha, dificulta a aplicação de reajustes capazes de elevar a categoria acima do mínimo definido neste ano em R$ 1.451.
Tarso Genro levou para o Piratini o compromisso de campanha de implementar até o fim do mandato o piso estabelecido por lei em 2008 com sua própria assinatura, então como ministro da Justiça. Como também se comprometeu com o Cpers a não alterar as regras salariais do atual plano de carreira, as promessas entraram em rota de colisão. O aumento de 22,22% que incidiu sobre o piso em janeiro e o distanciou ainda mais do vencimento inicial dos professores gaúchos escancarou a dificuldade de conciliar as duas medidas.
O problema, segundo o especialista em finanças públicas Darcy dos Santos, é que o atual plano aumenta o impacto de qualquer reajuste sobre a folha ao estabelecer grande distância entre os menores e os maiores salários. Um professor com Ensino Superior, por exemplo, começa ganhando 85% mais do que um colega com nível médio. Em outros Estados, como Santa Catarina, essa diferença fica abaixo de 20%.
– Com a carreira atual, não tem como cumprir o piso – resume Santos.
Além disso, 90% do professorado gaúcho está nos níveis mais elevados, o 5 e o 6, o que amplifica a repercussão dos aumentos. Para Santos, a solução seria mudar a carreira para permitir reajustes maiores à parcela da categoria que ganha menos. Isso possibilitaria elevar o piso do magistério sem extrapolar a capacidade do Tesouro.
– Todos os Estados que não tinham condição de pagar o piso têm de adequar os planos de carreira. Vários fizeram ou estão fazendo isso – sustenta a ex-secretária da Educação Mariza Abreu.
Em Santa Catarina, a chamada dispersão salarial foi reduzida de 64% para 16% a fim de permitir o cumprimento da lei. No Rio Grande do Sul, essa ideia é combatida pelo Cpers, que a considera um “achatamento salarial”. A SEC também entende ser justo pagar mais a educadores com melhor formação. Enquanto o problema persiste, uma dívida se acumula. O Estado corre o risco de ser alvo de ações judiciais por descumprir o mínimo previsto em lei. Professores poderiam exigir o ressarcimento do que foi pago a menos.
– Pode-se gerar um passivo de R$ 4 bilhões até 2014 – diz Santos.
O Estado afirma estar no limite do que pode oferecer com as atuais regras. O cronograma de reajustes apresentado pelo Piratini prevê chegar a um vencimento básico de R$ 1.260 em 2014 – abaixo do piso atual. O Cpers, que exige os R$ 1.451, recusou em um ato público na sexta-feira a proposta do governo.
Em quadro, veja comparação entre os Estados (RS, SC e SP).
O piso do magistério
- Em 2008, foi sancionado um projeto que estabeleceu um piso salarial para o magistério em todo o país, reajustado anualmente
- Para facilitar a adaptação à regra, o governo admitiu que, ao longo de 2009, o piso poderia ser entendido como remuneração mínima, ou seja, incluir vantagens e gratificações
- A partir de 2010, o piso deveria ser aplicado como vencimento inicial, ou seja, excluir de seu cálculo vantagens como gratificações. Até hoje, o Estado não conseguiu se adequar
- A legislação previu que os governos deveriam adequar os planos de carreira até 31 de dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial. O Cpers conseguiu barrar mudanças no plano de carreira planejadas durante o governo Yeda
- Enquanto isso, tramitava na Justiça uma ação de governos estaduais questionando a constitucionalidade da lei. No ano passado, o STF manteve o entendimento de que o piso deve ser entendido como vencimento básico
O índice de reajuste
- Quando foi sancionada, em 2008, a lei do piso previu que ele seria reajustado anualmente levando em conta o valor mínimo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação que cabe a cada aluno das séries iniciais do Ensino Fundamental
- Para calcular o mínimo do Fundeb por aluno, distribui-se o montante do Fundeb pelo número de matriculados, em um cálculo complexo que inclui ainda outros fatores
- Como a arrecadação tende a crescer, e o número de alunos nas séries iniciais a diminuir, por razões demográficas, o valor do Fundeb por aluno costuma crescer bem acima da inflação – e da arrecadação governamental. Neste ano, o acréscimo em relação a 2011 ficou em 22% – três vezes acima do INPC
- Defendido pelos sindicatos, o piso é considerado insustentável a médio e longo prazo por gestores. Estados defendem a substituição do Fundeb pelo INPC. Há um projeto no Congresso que permitiria essa mudança.
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