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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

D.PEDRO I seria um playboy de hoje, diz estudo


'Se vivesse hoje, Dom Pedro seria um playboyzinho pilotando uma Harley Davidson'

Edison Veiga e Vitor Hugo Brandalise - O Estado de S.Paulo

As quase cinco horas de tomografias e exames de ressonância magnética nos ossos de Dom Pedro I revelaram fraturas em quatro costelas - marcas ósseas de dois acidentes a cavalo que o imperador sofreu conduzindo nas ruas do Rio do século 19. "Isso foi perfeitamente constatado pelos exames", afirma o médico patologista Carlos Augusto Gonçalves Pasqualucci, diretor do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital e professor da Faculdade de Medicina da USP. O que os exames não demonstraram foi fratura alguma de clavícula, o que desmente um relatório médico oficial escrito após uma de suas quedas, em 1823. "É compreensível o erro no laudo, já que a fratura em questão é na primeira costela, que fica protegida pela clavícula. É até difícil entender como ele conseguiu quebrar ali", explica a arqueóloga responsável pelo estudo, Valdirene Ambiel.

Para o historiador Paulo Rezzutti, autor do livro Titília e o Demonão, que traz a correspondência trocada entre Dom Pedro I e sua amante Domitília de Castro, a Marquesa de Santos, as fraturas oferecem detalhes sobre a personalidade do imperador. "Ele era um apaixonado por velocidade, desconfio de que se vivesse hoje seria um playboyzinho pilotando uma Harley Davidson pelas estradas. E, bom, não devia ser muito bom 'piloto', já que vivia caindo", comenta Rezzutti, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Há dois registros históricos de grandes quedas sofridas pelo imperador, provavelmente as origens dessas fraturas. Uma foi em junho de 1823, quando o imperador caiu em uma ladeira do Rio. Diz o boletim datado de 8 de julho, assinado pelo cirurgião Domingos Ribeiro dos Guimarães Peixoto:

"Vindo Sua Majestade Imperial da sua chácara, denominada Macaco, no dia segunda-feira último de junho, quase pelas 6 horas da tarde, aconteceu que ao chegar à ladeira perto do paço de S. Christovão, como corresse o selim tanto para a garupa do cavalo em que vinha, pela razão de estarem as silhas trazeiras mui largas, que estas ficaram nas virilhas do animal, que se corcovava e desabridamente corria, Sua Majestade Imperial, receando resvalar juntamente com o selim o ser, em consequencia, maltratado pelos muitos e violentos coices, sobretudo faltando-lhe o apoio da ... por se ter esta arrebentado e á qual lançara a mão, tomou a resolução de deitar-se abaixo, o que fez para o lado esquerdo.

Depois de uma queda tão considerada, batendo com as costas em cheio sobre barro duro, não obstante levar do encontro o braço esquerdo, Sua Majestade Imperial esforçou-se por se levantar, mas não conseguiu senão a terceira vez, que foi quando também pô-lo gritar pelos soldados do telegrafo, que logo o acudiram e seguraram até que chegou Sua Majestade, a Imperatriz, acompanhada de seu criado, que ajudaram a Sua Majestade Imperial a recolher-se ao paço até o pateo do jardim, onde descansou por algum tempo.

Sua Majestade Imperial subiu a escada correspondente ao pateo, seguro tão somente a uma bengala, como observei, quando o vi com surpresa na ocasião em que eu ia já descer a mesma escada, ignorando absolutamente tal acontecimento; acompanhamos Sua Majestade Imperial ao Torreão, onde fiz, com o médico da semana, o dr. Antonio Ferreira França, as necessárias indagações, o achamos o seguinte:

1º Fratura direta na sétima costela tornal ou verdadeira do lado direita, no ponto de reunião do seu terço médio com o posterior;

2º Fratura indireta ou por contra-pancada, na terceira costela esternal do lado esquerdo, comprendendo o seu torço anterior;

3º Diastasa incompleta na extremidade sternal da clavícula esquerda;

4º Enfim, grande contusão no quadril, com forte tensão nos músculos que cercam a articulação femoro-iliaca e com dor gravativa, principalmente no nervo ciático que, ao depois, ganhou intensidade notável com explição de dores agudíssimas e de carater convulsivo.

As fraturas em simples, a porção do tegumento correspondente a segunda fratura, apenas estava entumecida por efeito de irritação local. Nenhuma lesão houve nas entranhas existentes nas três cavidades, cabeça, peito e ventre, menos a do violento choque, que de certo devião sofrer, se assim indicassem evidentemente a ofensa de tal ou tal entranha. (....)

Rio de Janeiro, 8 de julho de 1823 - O cirurgião da Imperial Camara e assistente à Sua Majestade o Imperador - Domingos Ribeiro dos Guimarães Peixoto"

Em dezembro de 1829, nova queda, desta vez de uma carruagem conduzida pelo imperador - Dona Leopoldina também estava a bordo. O acidente foi registrado como "desastre de suas majestades imperiais" pelos jornais cariocas. O Diário do Rio de Janeiro informou que "a Imperatriz não teve dano sensível, senão o abalo e susto, que um tal desastre devia ocasionar-lhe" e que o imperador tinha "a mais decidida coragem em todos os casos". A Aurora Fluminense informou que Dom Pedro I "teve duas costelas fraturadas, uma ligeira contusão sobre a fronte e alguma distensão no quarto direito" e que Dona Leopoldina "felizmente não sofreu dano sensível, além do abalo, e susto inevitavel".

As fraturas quebradas permitem uma explicação para o fato de a autópsia de Dom Pedro I, conforme os arquivos da Torre do Tombo, mencionarem que a tuberculose, sua causa mortis, atacaram apenas um dos pulmões. "Quando há múltiplas fraturas nas costelas, isso tende a dificultar o movimento inspiratório nesse pulmão", explica o médico patologista Luiz Fernando Ferraz da Silva, especialista em patologia pulmonar da Faculdade de Medicina da USP. "O bacilo da tuberculose gosta de áreas com muito oxigênio, logo acabou não 'atacando' o lado prejudicado."


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