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O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que morreu nesta terça-feira, foi uma das vozes mais atuantes na crítica aos Estados Unidos. Mas sua morte indicaria o ocaso de uma era de líderes antiamericanistas, como o iraquiano Saddam Hussein ou o norte-coreano Kim Jong-Il?
Chávez era conhecido por subir o tom contra as políticas "imperialistas" americanas, chegando a comparar o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush ao líder nazista Hitler.
Tudo o que vinha dos Estados Unidos, paradoxalmente o maior parceiro comercial da Venezuela, era alvo de suas críticas por ele. Até o Halloween (Dia das Bruxas) não escapou das críticas de Chávez, para quem a festa popular americana era considerada "terrorismo".
Mas agora o venezuelano está morto. Ele foi uma das últimas vozes exageradamente antiamericanas a se calar.
A morte de Chávez se segue à saída de cena de inúmeros críticos assumidos do governo dos Estados Unidos.
O líder cubano Fidel Castro, por exemplo, renunciou à sua posição como presidente em 2008.
Osama Bin Laden, sem dúvida o inimigo número 1 dos Estados Unidos após o 11 de Setembro, foi morto por militares americanos em 2011.
Saddam Hussein, presidente do Iraque, morreu enforcado após a invasão do Iraque. Kim Jong-il, da Coreia do Norte, não teve o mesmo destino, mas sucumbiu a problemas de saúde.
Até o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, cujo programa de enriquecimento nuclear ainda mexe com os brios de Washington, deve deixar o poder em 2013, uma vez que a Constituição do país limita o presidente a dois mandatos consecutivos.
Tais homens, no entanto, estão longe de representar uma homogeneidade. Pelo contrário, eles se estendem por uma ampla gama de ideologias políticas, passando pelo socialismo ao nacionalismo secular árabe ao fundamentalismo islâmico.
Mas todos foram, de sua própria maneira, ícones de uma tendência comumente referida como "antiamericanismo".
Uso do termo
O epíteto "antiamericano", entretanto, divide opiniões.
O ex-presidente George W. Bush, que se referiu ao Irã, ao Iraque e à Coreia do Norte como "eixo do mal" em seu discurso do Estado da União de 2002, viu o antiamericanismo como uma oposição visceral aos princípios que fundaram os Estados Unidos.
Para Bush, os inimigos do país "odeiam as nossas liberdades".
Mas Max Paul Friedman, professor de História na Universidade Americana de Washington, repudia o conceito como "um termo que tem sido usado para caracterizar praticamente qualquer desacordo com a política americana nos dias de hoje".
As principais vozes ditas antiamericanas costumavam ser taxadas como "não apenas antidemocráticas, como também defensoras ferrenhas de suas próprias narrativas nacionalistas".
Ao mesmo tempo, diz Friedman, a alcunha "antiamericano" foi amplamente aplicada a democracias liberais como a França, quando o país se opôs à guerra no Iraque.
Se Chávez pertencia a esse espectro de significados, o debate, claro, ganha tons mais acalorados.
O professor Russell Berman, da Universidade de Stanford, por outro lado, diz que é possível distinguir "entre o antiamericanismo visceral de estereótipos explícitos e críticas que talvez sejam legítimas".
Ele argumenta que em grande parte do mundo árabe "uma combinação de antisemitismo e antiamericanismo" é explorada extensamente por líderes populistas, a tal ponto de resultar na morte do então embaixador americano Christopher Stephens na cidade de Benghazi, na Líbia, em 2012.
Nova geração
Não está claro, todavia, se alguém em uma nova geração de líderes antiamericanos tomará o lugar de Chávez ao lado de Kim Jong-un, o atual presidente da Coreia do Norte, ou quem quer que seja eleito para substituir Ahmadinejad.
A Primavera Árabe deixou poucos líderes com suficiente autoridade popular para agir como demagogos tradicionais.
O regime comunista de Cuba permanece intacto, mas sob a presidência do irmão de Fidel Castro, Raul Castro, uma figura com uma retórica menos incendiária, que já anunciou sua aposentadoria em 2018.
A América Latina também está repleta de líderes preparados para desafiar os interesses americanos - Evo Morales, na Bolívia, Daniel Ortega, na Nicarágua, e Rafael Correa, no Equador, por exemplo.
Entretanto, ninguém parece exibir a mesma pantomima extravagante de Chávez, que certa vez descreveu, durante uma Assembleia geral da ONU, que George Bush era o "próprio diabo" e que ele havia deixado um "cheiro de enxofre" ao discursar momentos antes na plenária das Nações Unidas.
Até o antiamericanismo detectado por líderes americanos entre os oponentes da Guerra do Iraque na Europa Ocidental - a "Velha Europa" nas palavras do ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld - parece ter caído no ostracismo.
Uma pesquisa divulgada em dezembro de 2012 pelo instituto Pew, dos Estados Unidos, revelou que o apoio ao país havia crescido na Europa após a eleição de Barack Obama como presidente - ainda que significativas "lacunas de valores" permaneçam em relação a atitudes tomadas em direção a assuntos religiosos e culturais.
A retórica "cowboy" de Bush facilitou a proliferação do ódio contra a cultura e sociedade americanas, devido em grande parte à política externa dos Estados Unidos durante o governo do ex-presidente, afirmou Brendon O'Connor, professor da Universidade de Sydney, e autor do livro The Rise of Anti-Americanism ("A ascensão do antiamericanismo", em tradução livre).
Estranhamente, a mais recente figura internacional a ser acusada de antiamericano foi o cantor pop sul-coreano Psy, que ganhou fama mundial devido a seu hit Gagnam Style.
O rapper se viu obrigado a emitir um pedido de desculpas depois que se descobriu que em 2004 ele cantou uma música que incitava a morte dos "Yankees" que torturaram prisioneiros iraquianos e mataram suas famílias de uma forma "lenta e dolorosa".
Nos dias de hoje, talvez esse seja o máximo até onde a retórica antiamericana possa chegar.
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