Francisco assume a Igreja em um momento crucial da história da instituição. O percurso em direção a uma nova evangelização iniciado em 1965, com o fim do Concílio Vaticano II, foi abalado pela irrupção de escândalos morais e de corrupção no clero.
Ao mesmo tempo em que Bento XVI foi um dos escritores cristãos mais admirados por intelectuais ateus e de outras religiões, conquistando pontos para a doutrina católica, as suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro no banco Vaticano mostram que muita coisa ainda precisa mudar na parte “humana” da Igreja.
Além disso, apesar de ter endurecido as leis que punem padres envolvidos em casos de pedofilia, Bento XVI teve de lidar com a resistência e a demora de bispos para colocar essas novas regras em prática. Nesse cenário, cabe ao novo pontífice fazer uma reforma profunda na administração política e financeira da instituição, com olhos no fortalecimento da fé dos católicos e na captação de novos fiéis.
O primeiro grande desafio de Francisco é o de ser ouvido. Tanto João Paulo II como Bento XVI enfrentaram a relutância de colaboradores que não quiseram seguir diretrizes ditadas por eles. Com João Paulo II, os redutos mais desobedientes permaneceram na América Latina, principalmente entre os adeptos da Teologia de Libertação.
Já com Bento XVI, as maiores resistências internas ocorreram em relação aos casos de pedofilia. Os duros discursos do sumo pontífice direcionados aos bispos sobre o tema revelam a dor de quem não viu seus esforços serem corroborados por seus colegas de episcopado.
No caso do jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, o fato de ser latino-americano com certeza aumentará o desafio de conseguir interferir nas milhares de dioceses espalhadas pelo globo. O principal motivo que poderá dificultar a obediência ao recém-eleito, na opinião de Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, será a suposição de alguns bispos de que Francisco não conhece a fundo os problemas globais da Igreja, principalmente os europeus. Mesmo tendo integrado departamentos do Vaticano, inclusive a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos e a Congregação para o Clero, o religioso nunca atuou realmente dentro da Cúria Romana.
“Ao defender algumas ações, ele pode ser acusado pelos bispos europeus de estar falando de coisas que não conhece”, considera Borba.
Por outro lado, uma pessoa vinda de fora tem a seu favor a realidade de estar livre de laços tradicionais e políticos e ter mais facilidade para quebrar esquemas antiquados e viciados. “É uma grande vantagem ter estado distante de alguns problemas e não ter vínculos que seriam mais difíceis de desvencilhar para um europeu; ele poderá dizer que o que está errado deve ser mudado, e começar a consertar estragos com mais rapidez”, explica Borba.
Outra das medidas prioritárias de Francisco deverá ser a reestruturação nos ocupantes de cargos na Cúria. Um bom exemplo de que é preciso fazer uma varredura foi o caso do roubo de documentos sigilosos de Bento XVI, feito por um dos seus funcionários mais próximos, o mordomo Paolo Gabriele, no caso conhecido como Vatileaks. Segundo analistas, Gabriele não pode ter atuado sozinho.
“Existe um consenso de que é preciso reduzir em muito a presença italiana dentro da Cúria. O fato de os mesmos cardeais terem uma convivência de anos com a sociedade italiana e a continuidade na ocupação de cargos em alguns casos facilitam as ligações espúrias”, diz Borba.
Mas se falta lealdade de alguns colaboradores, a maior parte dos problemas financeiros foi causado pelo uso de sistemas obsoletos no Vaticano. “Muitas coisas são feitas como há 50 anos. Em geral não é má-fé, mas falta de controle. O banco do Vaticano necessita de mudanças urgentes no processo de racionalização administrativa e nas suas operações”, afirma Borba.
Existe também o consenso de que a Igreja precisa falar melhor com o mundo moderno, um dos motivos pelos quais o jesuíta foi eleito, apontam os vaticanistas. Culto, ligado ao movimento Comunhão e Liberação, ortodoxo em relação à doutrina e conhecido como um homem de grande compaixão, Francisco é responsável por obras sociais e gestos comoventes que atraem novos fiéis, como o de visitar um sanatório para lavar e beijar os pés de 12 pacientes soropositivos.
“Francisco segue a linha dos jesuítas, estudiosos e apostólicos e, com certeza, terá como prioridade renovar e implantar a nova evangelização que a Igreja necessita, procurando novas formas de difundir a fé”, declara Frei Luiz Carlos Susin, professor de teologia da PUC-RS.
Gazeta do Povo - PR
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