A construção de hidrelétricas ao longo do rio Uruguai está mudando a vida às margens do manancial. Segundo o professor do departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Paulo Brack, um estudo da Unipampa levanta a impossibilidade de o rio sustentar, do ponto de vista ambiental, todas as hidrelétricas planejadas. Além disso, ele contesta a capacidade de geração de energia do Uruguai. “O caudal de água para geração já não é tanto assim. Nestes verões, pelo segundo ano, as hidrelétricas de Foz de Chapecó, Itá, Machadinho e Barra Grande ficaram com seus reservatórios em níveis críticos, durante várias semanas, sem gerar um MW de energia", argumentou.
O pescador profissional Walmor Machado Pereira, que reside há 25 anos na localidade de Remanso, no município de Barra do Guarita, afirma que o rio mudou muito de uns 10 anos para cá e que não dá para pescar de forma tranquila. “De repente a água sobe muito, mesmo que não tenha chovido, e leva embora as redes.” Segundo ele, as margens do rio estão desaparecendo. “Isso aqui é minha vida, mas a situação mudou muito e os moradores em geral estão descontentes.” Outros pescadores que conversaram com a reportagem do Correio do Povo, mas não quiseram se identificar, mostram grande revolta com a situação. “Onde estão as autoridades que nada fazem para reverter essa situação?”, indaga um morador que há 40 anos vive na margem do Uruguai.
Outra questão levantada pela população e autoridades da região é a possibilidade de prejuízos ao Salto do Yucumã, localizado no Parque do Turvo, em Derrubadas. Considerado o maior salto d’água longitudinal do mundo, a queda tem 1,8 quilômetro. Em maio de 2011, em audiência pública em Santo Ângelo, o superintendente de Geração da Eletrobras, Sidney Lago, explicou o histórico do projeto e o Estudo do Inventário do rio Uruguai no Trecho Compartilhado com Argentina e Brasil. Na ocasião, ele garantiu que o Salto de Yucumã será preservado. Porém, representantes da região afirmam que a construção de hidrelétricas já afeta o Parque do Turvo e a queda d’água. “A construção de megaempreendimentos hidrelétricos no rio Uruguai está afetando o meio ambiente e coloca em risco a beleza e a vida do Salto de Yucumã”, diz o presidente do Consórcio Municipal de Turismo Rota do Yucumã e também prefeito de Derrubadas, Almir Bagega. Ele afirma que já há mudança significativa no rio, a partir do funcionamento das hidrelétricas instaladas. O prefeito disse que ocorre a retenção de água nos reservatórios das usinas e, quando menos se espera, as comportas são abertas, o que alteraria a vida do rio, prejudicando o meio ambiente e a sobrevivência dos pescadores.
Segundo o prefeito, neste período de pouca chuva, os turistas chegam para apreciar a queda de água. “No entanto, percebemos que o nível do rio fica elevado, em razão da abertura sem controle das comportas.” Bagega ressalta que os 33 prefeitos de municípios que fazem parte do Consórcio Rota do Yucumã são a favor da geração de energia, mas não admitem destruir matas e rios de forma indiscriminada. “Parece que o poder econômico fala mais alto e não se leva em conta o meio ambiente e os milhares de moradores que vivem nas margens do rio, locais onde construíram sua história.”
Conforme o professor Brack, que também é membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), com a hidrelétrica Panambi prevê-se a perda de mais de 1,7 mil hectares de floresta do Parque Estadual do Turvo. “No que toca ao rio, o desastre seria talvez maior ainda, pois o ecossistema lótico (de cursos d’água) com corredeiras — neste caso com ênfase ao Salto do Yucumã — sumiria, levando para sempre a presença das reduzidas populações remanescentes de peixes como dourado, surubim e grumatã, os quais necessitam das corredeiras para sua piracema.” Brack explica que as águas semi-paradas também são propícias a invasões biológicas (mexilhão-dourado, bagre-africano, etc) e disseminação de doenças por mosquitos e caracóis (febre-amarela, leishmaniose, doença-de-Chagas, etc). A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a Casa Civil do Estado não se manifestaram até o fechamento desta edição sobre a posição do governo do Estado em relação às hidrelétricas e barragens.
Uma representação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) atua no município de Porto Mauá buscando conscientizar a população sobre as consequências da construção das barragens. Os dois maiores envolvidos são a empresária Loni Elisa Dei Ricardi e o músico Alir Valentim da Rocha, que realizam cursos de formação de lideranças para sensibilizar os moradores das localidades atingidas.
Eles temem que grandes festas regionais como a de Nossa Senhora dos Navegantes, o Festival do Cascudo e a Expomauá sejam descaracterizadas com um novo cenário construído após a instalação da hidrelétrica Panambi, no rio Uruguai. Na avaliação deles, os balneários que abrigam centenas de turistas no verão e a Trilha Ecológica de Três Bocas — que existe desde 1998 e já foi premiada em nível nacional como projeto turístico — correriam risco de desaparecer.
O Movimento dos Atingidos por Barragens em Porto Mauá questiona a legislação, pois, de acordo com o movimento, a mesma lei que proíbe a pesca dos habitantes do local, a plantação de lavouras e a construção de residências em área de preservação permanente permite a destruição destas áreas e a morte de dezenas de espécies de animais e plantas com um único projeto.
Loni entende que não se pode expulsar as pessoas de suas moradias e terras pelo “chamado desenvolvimento”. Ela destaca que a construção da barragem Panambi deverá trazer também impactos ao comércio, ao clima e à saúde da população local. “Tem moradores que já sofrem com depressão, pois não sabem o que será do futuro de suas residências”, conta a empresária.
Nascida em Porto Mauá, Loni possui uma agência de turismo na cidade. No local, distribui fôlderes e informativos contra as barragens, alguns produzidos pelo MAB Brasil. “Tem pessoas que dizem que minha empresa teria ainda mais sucesso com a barragem, intensificando o turismo. Porém, minha preocupação é com a natureza, com o povo de Porto Mauá e a nossa história”, ressalta a moradora.
Com informações dos repórteres Agostinho Piovesan, Felipe Dorneles e Maria Dal Canton Piovesan
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