Atropelador de ciclistas abandona carro e volta ao trabalho no RS
Ricardo Neis tenta
retomar a rotina enquanto aguarda decisão da Justiça, que pode levá-lo a
júri popular por acusação de tentativa de homicídio contra ciclistas
Foto: Tárlis Schneider/Agência Freelancer/Especial para Terra
O funcionário do Banco Central de Porto Alegre (RS) Ricardo Neis, 47
anos, tenta retomar aos poucos uma vida anônima, mesmo que sobre seu
passado recente paire imagens de ciclistas atropelados e no futuro
próximo se aproxime a tensão de um júri popular. Em 25 de fevereiro de
2011, ele atingiu um grupo de ciclistas no bairro Cidade Baixa e, dias
depois, foi preso. Desde então, Neis abandonou o carro, se afastou do
trabalho, tentou internação psiquiátrica, enfrentou audiências, foi
acusado de tentativa de homicídio pelo Ministério Público e tornou-se o
símbolo de um movimento que cobra mais bicicletas nas ruas e menos
automóveis. Enquanto aguarda a decisão da Justiça e teme um júri, ele
retornou ao trabalho em fevereiro e desistiu de voltar a dirigir.
"Não há interesse de que o Neis dirija novamente, pois o trauma foi
grande. Ele voltou a trabalhar recentemente e tem o apoio da sua
família. Todos na sua volta chegaram à conclusão de que alguma coisa
houve para o Neis agir daquele jeito. Ele está ansioso com a situação e
não quer o júri, por causa do abalo", relatou o seu advogado, Alexandre
Luís Maziero, que também disse que o acusado fez curso de reciclagem de
trânsito.
Maziero informou que o atropelador ficou um tempo afastado do
trabalho após obter licença médica e tirar férias em seguida, retornando
agora para "levar a vida normal". O advogado acredita que ainda faltam
elementos para que a Justiça possa validar o júri. "Pedimos imagens para
a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de Porto Alegre que
comprovam a agressividade dos ciclistas. Além disso, há outras
diligências que precisam ser esclarecidas".
Promotora critica "enrolação"
A Justiça recebeu do MP o pedido para júri popular no dia 15 de
fevereiro. Na última audiência, em dezembro de 2011, as testemunhas de
Ricardo Neis "não o ajudaram", conforme a promotora Lúcia Callegari. Ela
critica a "enrolação" da defesa, que estaria tentando fazer o processo
"cair no esquecimento".
"Algumas testemunhas disseram 'já me incomodei com ciclistas e pensei
em fazer o mesmo, mas não fiz'. A diferença é que o Neis fez. Estou
aguardando a decisão da Justiça ansiosamente, pois sei que o advogado
está enrolando", criticou ela. "É uma coisa muito chata isso. Talvez ele
esteja tentando levar o processo ao esquecimento", completou.
Advogado promete ir ao STF
O advogado Alexandre Luís Maziero promete levar o caso até a última
instância, o Supremo Tribunal Federal (STF), caso a Justiça gaúcha
decida pelo júri. Conforme ele, o MP está "fazendo sua parte". "Eu não
vou criticar o trabalho da promotora, até porque eu teria muita coisa
para falar. Não vou entrar nesse jogo. Nós vamos apelar até o STF contra
o júri, pois esse é o nosso papel", garantiu.
Já a promotora Lúcia Callegari argumentou que o caso "pode servir
para inibir outros. "A gente nunca imaginou que alguém faria isso.
Esperamos que o júri traga a sensação de que as pessoas não são donas
das ruas. Como é vamos admitir uma ação assim? O agir é diferente do
pensar. As próprias testemunhas nos deixaram bem claro isso."
Motorista atropela e foge
Um grupo de ciclistas que tradicionalmente percorre as ruas do bairro
Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi atropelado por volta das 19h do dia
25 de fevereiro de 2011. Segundo a Polícia Militar, 100 ciclistas do
movimento Massa Crítica seguiam pela rua José do Patrocínio, quando
foram surpreendidos por um Golf preto na esquina com a rua Luiz Afonso. A
maioria escapou do atropelamento, mas 17 ficaram feridos, sendo cinco
com lesões, que foram encaminhados ao Hospital de Pronto Socorro.
A polícia disse que o atropelamento foi intencional e que o motorista
do Golf acelerou várias vezes antes de derrubar os ciclistas. Após
ouvir testemunhas, os policiais conseguiram a placa do veículo e
identificaram o proprietário como Ricardo Neis, 47 anos, funcionário do
Banco Central.
Ricardo Neis foi preso no dia 2 de março. Em depoimento à Polícia
Civil, ele alegou legítima defesa, relatando que os manifestantes agiram
com violência contra seu carro. De acordo com o polícia, as vítimas
foram impedidas de se defender, uma vez que o motorista avançou com seu
carro enquanto os ciclistas estavam de costas, sem esperar o golpe. As
testemunhas do processo já foram ouvidas e a Justiça deve decidir se
Neis irá para júri popular.
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