Lançado em 1969, quando Gilberto Gil encontrava-se exilado em Londres, na Inglaterra, onde permaneceria até 1972, o álbum Gilberto Gil foi relançado no final de 2012, em edição remasterizada nos estúdios Abbey Road, em Londres, e chama atenção por permanecer como um dos mais experimentais, ousados e psicodélicos do artista. As canções mais conhecidas são o "hino da despedida" Aquele Abraço, Cérebro Eletrônico e 2001, parceria de Rita Lee com Tom Zé.
Com produção musical do craque inconteste Manoel Barenbein, o álbum conta com arranjos e regências dos também inigualáveis Rogério Duprat e Chiquinho de Moraes, que também toca piano, formando a banda que acompanha Gil ao violão e que conta também com o guitarrista Lanny Gordin, o baixista Sérgio Barroso e o baterista Wilson das Neves. Um time que dispensa apresentações.
Cérebro Eletrônico é um rock dançante, pré-Novos Baianos, mas que cairia como luva na voz de Baby Consuelo, como caiu na de Marisa Monte. Numa época em que se falava tanto em discos voadores e cérebros eletrônicos – 2001, Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, havia sido lançado apenas um ano antes –, Gil demonstra o quanto estava à frente do tempo em termos de experimentalismos. “Só eu posso pensar se Deus existe / Só eu / Só eu posso chorar quando estou triste / Só eu / Eu cá com meus botões de carne / e osso”.
O órgão de Chiquinho de Moraes soa como uma buzina metálica na ótima Volks-Volkswagen Blue. Se Caetano Veloso – companheiro de Gil durante o exílio – sentia falta da risada da irmã Irene, Gilberto Gil relatava as saudades da mãe Claudina, “minha mãe mofina”, para emendar com uma das maiores declarações de amor ao Rio de Janeiro e, por tabela, ao Brasil, Aquele Abraço: “Chacrinha continua balançando a pança / E buzinando a moça e comandando a massa / E continua dando as ordens no terreiro / Alô, alô, seu Chacrinha – velho guerreiro / Alô, alô, Terezinha, Rio de Janeiro / Alô, alô, seu Chacrinha, velho palhaço / Alô, alô, Terezinha, aquele abraço!”.
O solo da guitarra de Lanny Gordin dá a tônica da gravação roqueira de 17 Légua e Meia, de Humberto Teixeira e Carlos Barroso, que conta também com triângulo para dar o clima do baião moderno. “Cheguei no forró moído / Em carnes vivas lapada / Mas logo fui socorrido / Tomando três talagada / E quando Zé Sanfoneiro / Gemeu no fole o baião / Rodei com Rosa o terreiro / Roçando em meu coração”, canta. Outra fase intérprete de Gilberto Gil aparece em A voz do vivo, de Caetano Veloso.
Gilberto Gil dedilha seu violão na doce Vitrines, que antecipa a explosão de 2001, lançada pelos Mutantes, em 1968, no IV Festival da Música Popular Brasileira. O curioso é que, com abordagens completamente diferentes, as duas canções tratam da Corrida Espacial, em plena Guerra Fria, entre a ex-União Soviética e os Estados Unidos, que teve como um dos apogeus a chegada do homem à Lua. “Um astronauta risonho / Como um boneco falante / Numa pequena vitrine / De plástico transparente / Uma pequena vitrine / A escotilha da cabine”, canta na primeira. E estoura na segunda: “Astronauta libertado / Minha vida me ultrapassa / Em qualquer rota que eu faça / Dei um grito no escuro / Sou parceiro do futuro / Na reluzente galáxia”.
A doce e intergaláctica Futurível é a canção que mais declara as intenções do álbum, pois mistura experimentalismos metálicos com a doçura e a tradição musical brasileira: “Você foi chamado, vai ser transmutado em energia / Seu segundo estágio de humanidade hoje se inicia / Fique calmo, vamos começar a transmissão / Meu sistema vai mudar / Sua dimensão / Seu corpo vai se transformar / Num raio, vai se transportar / No espaço, vai se recompor / Muitos anos-luz além / Além daqui”. O álbum termina com a mais experimentais das canções, Objeto semi-identificado, que mistura diversos climas, incluindo alguns circenses e outros intergalácticos. “A cultura, a civilização só me interessam enquanto sirvam de alimento, enquanto sarro, prato suculento, dica, pala, informação”, declama.
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