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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

BEATLES : Há 50 anos, a primeira gravação dos Beatles


O então baterista de Rory Storm, John, Paul e George 
Publicado por ROBERTO MUGGIATI, especial para a GAZETA DO POVO

Em outubro de 1962, enquanto os Estados Unidos descobriam a existência de mísseis nucleares soviéticos em Cuba, os Fab Four lançavam seu primeiro single e iniciavam uma carreira que entraria para a História assim como a Guerra Fria

Em 11 de setembro de 1962 eu morava em Londres, mas ignorava solenemente que naquela terça-feira os Beatles gravavam seu primeiro disco nos estúdios da EMI em Abbey Road. Sequer sabia quem eram os Beatles, uma banda que gozava apenas de um sucesso regional em Liverpool e adjacências. Anos depois tive de consultar um número atrasado do Times para lembrar as condições meteorológicas daquele dia: “Nublado, com períodos de sol, chuvas esparsas durante a tarde, ventos moderados, temperatura máxima de 20 graus.” Ou seja, um dia como outro qualquer em Londres.

Na verdade, não era rigorosamente o primeiro disco dos Beatles. Em 1960 houve uma brincadeira em Hamburgo. Numa pequena cabina do selo Akustik, John, Paul e George e o então baterista de Rory Storm and the Hurricanes, Ringo Starr, gravaram três standards: “Fever”, “September Song” e “Summertime”. (O baterista regular dos Beatles, Pete Best, saíra para comprar baquetas e se perdeu na cidade.) Houve ainda “My Bonnie”, que gravaram em Hamburgo — com o baterista titular Pete Best — como grupo acompanhante do cantor Tony Sheridan e creditados como Beat Brothers.

John, Paul e George queriam tanto ter Ringo como seu baterista que demitiram Pete Best, em agosto de 1962. Os fãs de Pete, inconformados, assediaram os Beatles para protestar, bradando slogans como PETE IS BEST e PETE BEST FOREVER, RINGO NEVER. Um fã agrediu George a socos e o presenteou com um olho roxo. Foi com Ringo que eles se apresentaram em Abbey Road naquela tarde. O produtor George Martin, da gravadora EMI, ouvira os Beatles com Pete Best três meses antes. Disse então: “Fiquei interessado por eles como pessoas. Achei que nada tinha a perder se os contratasse, embora não tivesse a menor ideia do quer fazer com eles, nem do tipo de canções que poderiam gravar”. Uma atitude reticente para o homem que entraria para a história como “O Quinto Beatle”.

Ao saber que Pete Best fora detonado e sem conhecer Ringo, o precavido Martin convocou um experiente baterista de estúdio, Andy White. Ringo gelou: “O outro cara estava sentado à bateria e me deram maracas para chacoalhar. Pensei: ‘É o fim, estão dando uma de Pete Best pra cima de mim...’”. Martin resolveu gravar “Love Me Do” no lado A do single e “P.S. I Love You” no lado B. No ensaio, ele achou “Love Me Do” muito melhor do que a versão que ouvira três meses antes. O que o fisgou foi um riff tocado por John na gaita de boca. (John roubara o instrumento de uma loja na Holanda, numa das viagens a Hamburgo; e roubara o riff do hit de Bruce Channel, “Hey Baby”.) Na gravação da parte instrumental, botaram um pandeiro na mão de Ringo e o mandaram dar dois toques em cada terceira batida. Ele ficou com a cara tão arrasada que Martin resolveu dar uma chance igual aos dois bateristas. Gravaria duas versões: uma com Ringo, outra com Andy. A trilha vocal seria mixada com a versão instrumental que saísse melhor. O padrão de exigência de George Martin obrigou os rapazes a gravarem nada menos do que 18 takes. A essa altura, John já estava com a boca anestesiada de tanto soprar a gaita-de-boca. Ringo Starr deu sorte: foi o baterista do take escolhido de “Love Me Do”. Já em “P.S. I Love You”, levou o crédito de baterista, mas só tinha tocado maracas. Na foto feita em Abbey Road durante a pausa para o chá, George aparece ainda de olho roxo, do soco que levara em Liverpool na celeuma entre Pete Best e Ringo Starr.

Crise

O Times de 11 de setembro de 1962 publicou esta nota avulsa: “NOVA YORK, 11 – Cinco caixas de garrafas de vinho russo, presente do Premier Kruschev ao Presidente Kennedy, chegarão hoje a esta cidade, procedentes de Moscou, via Londres, a bordo de um avião a jato da BOAC [British Overseas Airways Corporation].” Menos de um mês depois, em 14 de outubro, um avião de reconhecimento norte-americano fotografava a instalação de mísseis soviéticos em Cuba, bem debaixo do nariz dos Estados Unidos. Kennedy reagiu ao que considerava uma ameaça ao seu país e ordenou um bloqueio à ilha de Fidel. Kruschev chamou o bloqueio de “um ato de agressão que jogaria a humanidade no abismo de uma guerra mundial de mísseis nucleares.” O planeta viveu duas semanas de pânico, até que os dois Ks chegaram a um acordo em 28 de outubro.

Os Quatro Cavaleiros do Após-calipso passaram ao largo da crise. Estavam mais preocupados com sua guerra particular na parada de sucessos. O single foi lançado em 4 de outubro de 1962. As legiões liverpudlianas dos Fab Four correram às lojas, mas o resto do país não tomou conhecimento. “Love Me Do” foi ao ar pela primeira vez na Rádio Luxemburgo. A mãe de George ficou acordada até altas horas. Cansou e foi deitar. De repente, George sobe as escadas berrando: “Estamos no ar!” O pai de George ficou P da vida quando o acordaram, tinha de levantar cedo para dirigir seu ônibus. Para George, foi a glória: “Tremi de emoção. Ouvi meu trabalho na guitarra e não podia acreditar”.

Os Beatles gravariam de novo em Abbey Road, voltariam a Hamburgo, enfrentariam uma desastrada turnê pela Escócia no inverno, que emendariam com uma exaustiva turnê pela Inglaterra. Num sábado, 2 de março de 1963, a caminho de Manchester para um programa de tevê, souberam que seu disco Please Please Me tinha chegado ao primeiro lugar no hit parade. A partir daí, o resto é História. Mas os Beatles nunca mais seriam tão jovens e inocentes como naquela tarde de 11 de setembro de 1962 nos estúdios de Abbey Road.


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