Brasil desiste de vinda de 6.000 médicos cubanos
Governo brasileiro paralisou negociação com Cuba para receber profissionais
Ministério da Saúde diz que escolheu atrair médicos como 'pessoa física' e desconsidera oferta feita pela ilha
FLÁVIA MARREIRO
DE SÃO PAULO
O Brasil paralisou as negociações com Cuba para a vinda de 6.000 médicos cubanos ao país e deve lançar nesta semana programa para atrair profissionais estrangeiros tratando Espanha e Portugal como países "prioritários".
Nem o Ministério da Saúde nem o Itamaraty, que havia anunciado a tratativa em maio e agora diz que ela está congelada, explicam as razões da mudança de planos.
Também não dizem o porquê do tratamento "não prioritário" a Cuba, já que a ilha preenche os principais requisitos do programa: médicos por habitante bem acima do recomendado pela OMS e língua próxima do português.
"Trata-se de uma cooperação que tem grande potencial e à qual atribuímos valor estratégico", disse o chanceler Antonio Patriota, em maio, ao mencionar a negociação.
Já o Ministério da Saúde informa que escolheu atrair médicos como "pessoa física", e não considerar a oferta do contingente feita pelo governo cubano, nos moldes que a ilha faz na Venezuela.
Desta maneira, o ministério evita abrir mais um flanco de críticas na implementação de um programa que já provoca outras resistências.
Nos bastidores, repete-se que a negociação com Cuba foi aventada por Patriota, e não pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Há motivos para o recuo. Além da sensibilidade que envolve o regime comunista de Cuba --aliado do governo e do PT e alvo dos conservadores--, o motivo principal é que as missões cubanas são aclamadas pelo trabalho humanitário, como no Haiti, mas não escapam de críticas de ativistas de direitos humanos e trabalhistas na versão remunerada.
VENEZUELA
No modelo usado na Venezuela, Cuba funciona como uma empresa terceirizada que fornece profissionais. O governo contratante paga a Havana pelos serviços e os médicos recebem só uma parte.
Apesar disso, o programa é considerado atrativo para os profissionais, que ganham cerca de US$ 40 na ilha e, com ele, têm acesso a benefícios.
O formato também é criticado por ex-participantes, que acusam o governo comunista de submetê-los a um duro regulamento disciplinar e impor regras de pagamento como poupança compulsória para evitar "deserção".
A regra disciplinar na Venezuela, vigente em 2010, incluía pedir autorização para pernoitar fora do alojamento, proibição de dirigir e a obrigação de informar sobre namoros. Falar com a imprensa também estava vetado.
"Não vislumbro essa solução feita na Venezuela no Brasil. Ele não é compatível com as leis trabalhistas brasileiras e a Constituição brasileira", diz o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira.
REVÉS PARA HAVANA
A desistência do Brasil é um revés para Havana, que tem dito que o envio dos médicos ao exterior é sua maior fonte de divisas e deseja ampliá-lo.
O que vai aos caixas estatais por serviços médicos --cerca de US$ 6 bilhões anuais segundo estimativas-- é maior do que o arrecadado com turismo ou exportação de níquel.
O Ministério da Saúde diz que não há restrições se médicos cubanos quiserem se inscrever individualmente no programa. Brasileiros com formação no exterior entrarão na categoria "estrangeiros". Ou seja, brasileiros formados em Cuba, em tese, podem participar.
A pasta, no entanto, não prevê fazer campanha para divulgar o programa na ilha, ao contrário do que estuda fazer em Espanha e Portugal.