Em seminário para discutir produção, acesso e consumo de alimentos, palestrantes reforçam a responsabilidade do modelo no aumento do consumismo e manutenção da fome
''Má influência da indústria sobre os hábitos alimentares tradicionais e os prejuízos que trazem à saúde, em especial laticínios e produtos ultra processados, ricos em gorduras, açúcares e aditivos químicos e pobres em fibras'' - diz a jornalista e escritora Sonia Hirsch
O alimento é um tema indigesto que está no centro da crise contemporânea. É o que afirmou o professor de História da Universidade de São Paulo (USP) Henrique Carneiro na abertura de sua palestra no seminário Terra, Alimento e Liberdade – o que você alimenta quando se alimenta?, na noite de ontem (3), na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
De acordo com o professor:
- a natureza da crise está baseada no que ele chama de pleonaxia autotélica, ou seja, o perpétuo alavancamento da projeção geométrica da produção para aumento do lucro dos grandes produtores, e não para democratizar o acesso aos alimentos para grande parcela da população que ainda passa fome.
“É a expansão da acumulação pela própria acumulação. A indústria alimentícia agrega valor a componentes químicos, entre eles fertilizantes e agrotóxicos, para aumentar a margem de lucro. O aumento da produção de grãos não é para suprir necessidades, e sim para ditar preços e quebrar produções autóctones, comprometendo o produtor agrícola e as autonomias locais.”
Segundo Carneiro, é para isso que essa mesma indústria gigantesca impulsiona, com sucesso, mecanismos de compulsividade que atuam na região cerebral mais primitiva do ser humano, o sistema límbico. É nessa parte do cérebro que estão localizadas estruturas responsáveis principalmente por controlar as emoções e fontes de prazer. “Assim como as drogas, os alimentos agem nesses centros cerebrais”, disse o professor.
Não é à toa, segundo ele, que grandes conglomerados internacionais são compostos também de indústrias alimentícias, de bebidas e do tabaco. Como ressaltou, a gigante brasileira Ambev reúne fábricas de bebidas, de refrigerantes e cadeias de fast-food, entre outras empresas, e a indústria internacional do tabaco comprou a alimentícia Kraft, uma das maiores do setor, para ampliar seus lucros. "Trata-se de produtos de consumo, de consumo imediato. Não são bens duráveis, que levam mais tempo para serem substituídos”.
A primeira noite do seminário contou ainda com a participação da jornalista e escritora Sonia Hirsch, autora de dezenas de livros sobre promoção da saúde a partir da alimentação natural. Ela criticou a influência da indústria sobre os hábitos alimentares tradicionais e os prejuízos que trazem à saúde, em especial laticínios e produtos ultraprocessados, ricos em gorduras, açúcares e aditivos químicos e pobres em fibras. Esses produtos, comprovadamente, aumentam a obesidade e todos os problemas associados, como diabetes e doenças cardiovasculares e até mesmo alguns casos de câncer.
“Pesquisas mostram que enquanto diminui drasticamente o consumo de feijão, rico em nutrientes e que compõe a dieta tradicional do brasileiro, praticamente dobra o consumo de bolachas recheadas, por exemplo”, ressaltou a escritora.
Participou ainda o historiador José Ribeiro Júnior, que pesquisa produção, aquisição, preparo e consumo de alimentos na periferia da zona sul da capital paulista para seu doutoramento. Segundo ele – que rechaçou a crença de que os problemas alimentares se limitam hoje ao excesso de peso – muitos paulistanos sobrevivem mesmo passando fome.
“Há dados do IBGE que apontam que mais de 30% da população brasileira tem algum grau de insegurança alimentar”, disse. O processo de urbanização, segundo ele, é outro componente que reduz o acesso aos alimentos de qualidade que se faria, por exemplo, meio da agricultura de subsistência. “Embora haja algumas iniciativas em hortas urbanas, a verdade é que, se falta espaço para morar, também falta espaço para cultivar”.
O evento é promovido pelo coletivo ComerAtivaMente, que defende a reflexão crítica do modelo de produção agrícola dominante, dos hábitos de consumo por ele produzidos e reproduzidos. O grupo atua na organização de compras coletivas de alimentos e produtos de higiene e saúde diretamente do produtor.
O seminário começou na terça feira(4) e vai até a próxima sexta-feira (7), sempre a partir das 17h30, com uma mesa temática diferente a cada noite.
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