Foi-se o tempo em que o bife não tinha muita vez em cardápio saudável. Hoje os bois estão mais magros e, por isso, até os cardiologistas dão aval à carne bovina. Pode comer. Ou melhor, é para comer!
A nutricionista Mariana Del Bosco, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), já perdeu a conta de quantas vezes ouviu pacientes dizendo: "Tenho hábitos saudáveis, por isso não como carne vermelha". Essa marginalização nutricional vem da época em que os bois passavam anos e anos se empanturrando no pasto. E o resultado desse regime especial era uma carne supergorda. Mas, em um mundo que luta contra a obesidade e outros males conseqüentes dos abusos à mesa, até os bichos tiveram de entrar na linha. "Hoje os animais são abatidos mais jovens e não têm tempo para acumular tanta gordura", afirma o veterinário Pedro Felício, professor da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), no interior paulista. Sem contar que os melhoramentos genéticos originaram um gado mais magro do que o que se via no passado.
Para levantar mais o moral do boi, a gordura saturada cedeu seu posto de vilã para a do tipo trans, presente em várias margarinas. Para ver como o mundo dá voltas, antes as carnes vermelhas eramtemidas e as margarinas eram bem-vindas na geladeira dos antenados em saúde. Não se pode dizer que houve uma total inversão de papéis. A gordura saturada da carne eleva o LDL, o colesterol ruim. Isso não é bom, mas o efeito das trans é ainda pior. "Ela não só põe o LDL nas alturas como abaixa o HDL, o colesterol bom", aponta o cardiologista Raul Santos, do Instituto do Coração, em São Paulo.
Para completar a redenção do gado, uma megapesquisa assinada pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, analisou hábitos de mais de 300 mil pessoas e inclui os carboidratos no banco dos acusadospelas doenças cardíacas. Ou seja, os holofotes deixaram de mirar a carne.
"A gordura saturada, sem excesso, é até necessária para o organismo", comenta Daniel Magnoni, cardiologista e nutrólogo do Hospital do Coração, na capital paulista. "Consumir carne bovina magra não traz nenhum prejuízo", ele fez questão de frisar no II Congresso Paulista de Nutrição Humana, que aconteceu em agosto. Aliás, ao contrário. Aos poucos os especialistas descobrem o outro lado do bife.
Embora todo mundo logo associe carne vermelha a gordura, ela está longe de ser seu principal componente. Em princípio todo bife é suculento, já que cerca de 75% dele é pura água. O restante — além das sempre lembradas gorduras — são proteínas, minerais e vitaminas. Aliás, tem uma vitamina que só alimento de origem animal é capaz de nos oferecer: a B12, essencial para a memória e para o aproveitamento do ferro, proveniente da própria carne ou de outros alimentos. E a vermelha é campeã em B12.
Por falar no ferro, a carne vermelha também é a sua melhor fonte. "A absorção do ferro das carnes é seis vezes maior do que o de vegetais", calcula a nutricionista Semíramis Álvares, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, interior paulista. Isso porque nos vegetais a concorrência é desleal — o ferro convive com outras moléculas que atrapalham seu aproveitamento. "Elas o deixam menos solúvel e mais difícil de atravessar a parede do intestino", descreve Semíramis.
Na falta desse mineral, sobra cansaço, um dos sintomas da anemia. "A produtividade cai 5% no mínimo", garante o nutrólogo e cardiologista Daniel Magnoni. A carência também está associada ao aumento de infecções. Ora, o ferro é fundamental para as células de defesa — aí, faz dobradinha com o zinco, outro mineral da carne vermelha que dá força ao sistema imunológico.
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