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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

PROJETO FUSÃO : ENERGIA SOLAR NA TERRA


Projeto de Fusão Nuclear - O maior projeto científico da humanidade

Avança projeto que quer reproduzir energia solar na Terra

Livio Oricchio, Enviado especial

Cadarache, França - O planeta Terra está a aproximadamente 150 milhões de quilômetros do Sol. Há cerca de 4,6 bilhões de anos recebe sua luz e calor, fonte de energia da origem e manutenção da vida. E deverá ser assim por outros 5 bilhões de anos, restante do tempo de vida do Sol. Nas últimas décadas, astrônomos e físicos, principalmente, descreveram com certa profundidade o que se passa no interior da nossa estrela.

Numa forma bastante simplificada, o Sol e as demais estrelas funcionam assim: sob a enorme pressão e temperatura do seu núcleo, dois átomos de hidrogênio se fundem e dão origem a um átomo de hélio. Essa reação de fusão dos átomos de hidrogênio libera enorme quantidade de energia. Apesar da considerável distância do Sol, é possível senti-la na Terra, sob a forma de luz e calor.

Não é de hoje que o homem observa o Sol com desejo de reproduzir no planeta o seu processo de geração de energia. Por quê? Primeiro por ser muito eficiente. Basta uma pequena quantidade de matéria, ou átomos de hidrogênio, para a produção de muita energia. E depois por essa reação de fusão utilizar o elemento mais abundante no universo, o hidrogênio, que nada tem a ver, por exemplo, com os combustíveis fósseis, não renováveis e pródigos na emissão de gases poluentes.

Não é tudo: a fusão dos átomos de hidrogênio requer, claro, cuidados, mas não cria impacto ambiental, sua energia é limpa e não residual.

Mas os desafios científicos, de engenharia e financeiros para recriar o Sol na Terra são imensos, os maiores já enfrentados pela humanidade num projeto dessa natureza. Por uma razão principal: não dá para reproduzir no planeta os efeitos da gravidade no interior das estrelas, razão da elevada pressão e temperatura no seu núcleo, essenciais para os átomos de hidrogênio atingirem o estado de plasma, o quarto estado da matéria, depois de sólido, líquido e gasoso.

O hidrogênio se torna plasmático porque a temperatura no núcleo do Sol é de 15 milhões de graus Celsius e a pressão, 340 bilhões de vezes superior à da Terra no nível do mar. Vale lembrar que o Sol é uma esfera de 1 milhão e 400 mil quilômetros de diâmetro formada por, basicamente, hidrogênio em estado de plasma. O diâmetro da Terra é de apenas 12.750 quilômetros. Nada menos de 1,3 milhões de Terras caberiam no interior do Sol.

Projeto ousado

E não é que existe na Terra, há alguns anos, um projeto para fusão do núcleo de átomos de hidrogênio, como faz o Sol? É o Iter, abreviação de International Thermonuclear Experimental Reactor, iniciativa multinacional destinada a desenvolver a tecnologia da fusão em grande escala para a geração de energia a fim de atender ao impressionante crescimento da demanda mundial. Fazem parte do Iter a Comunidade Europeia, com 45,5% de participação, e seis outras nações, cada uma com 9,1%, Estados Unidos, Japão, China, Russia, Índia e Coreia do Sul, representando 34 países.

Atenção: fusão nuclear é diferente de fissão nuclear. Os homens dominam o ciclo da fissão nuclear há mais de meio século, tanto que existem no mundo, hoje, 440 usinas atômicas gerando energia. Na fissão, núcleos de átomos de elementos radioativos como urânio, plutônio, por exemplo, são bombardeados para se romperem. E esse processo também gera elevada quantidade de energia, mas menos que na fusão nuclear e os riscos de contaminação da fissão, quase inexistentes na fusão, representam um grande problema.

Quinta-feira, nas instalações em construção do Iter, em Cadarache, no sul da França, autoridades dos países envolvidos no gigantesco e ambicioso projeto de fusão nuclear, como o comissário de energia da União Europeia, Günther Oettinger, e a ministra francesa da Educação, Geneviève Fioraso, assistiram à inauguração do edifício de 20.500 metros quadrados onde já funciona a sede administrativa. As demais áreas do complexo estão em construção desde 2010.

O professor titular do Instituo de Física da Universidade de São Paulo, Ricardo Galvão, acompanha de perto o desenvolvimento do projeto do Iter. "A fusão nuclear é uma tecnologia promissora como fonte de energia e sem os problemas da fissão nuclear. Ainda há algumas dificuldades científicas e técnicas para serem resolvidas, mas os experimentos na Inglaterra e nos Estados Unidos demonstraram sua viabilidade", diz. A USP realiza estudos dos aspectos básicos do processo com o reator da fusão nuclear, denominado tokamak.

"A demanda mundial de energia hoje é 15 terawatt (1 terawatt é 1 trilhão de watt), enquanto em 2050 será de 30 terawatt, considerando-se que a população do planeta vá ser de 10 bilhões de habitantes. Se a fusão nuclear não funcionar a situação ficará difícil", explica Galvão. Mas o professor da USP está otimista com o encaminhamento do Iter.

Segundo a administração do projeto, o custo até o fim da fase de construção, concentrado em Cadarache, envolvendo de forma direta e indireta 5 mil trabalhadores, será de 13 bilhões de euros (R$ 35 bilhões).Os primeiros ensaios para a realização da fusão nuclear em larga escala devem começar em 2020.

Laboratório de pesquisa

"O interessante do Iter é que seu principal objetivo é apenas desenvolver tecnologia. Não irá nem mesmo produzir energia. Cada país envolvido irá depois realizar os seus próprios projetos de fusão nuclear e construir seus tokamaks a partir do conhecimento adquirido em conjunto no Iter", explica Robert Arnoux, do departamento de comunicações do projeto.

Pode parecer estranho, mas é isso mesmo. Como o Iter irá apenas realizar pesquisa sobre como viabilizar a fusão nuclear como fonte de geração de energia elétrica em larga escala, o processo não terá sequência. O passo seguinte seria fazer a água circular ao lado da câmara de plasma do tokamak para absorver seu calor. Ela atingiria o estado de vapor que, por sua vez, acionaria uma turbina coligada a um gerador elétrico.

O processo de obtenção de energia elétrica da fusão nuclear é exatamente o mesmo dos reatores a fissão nuclear. A diferença entre o tokamak da fusão nuclear e o reator da fissão nuclear é a forma como se obtém calor. Como já mencionado, a fusão funde os átomos de hidrogênio e a fissão rompe o núcleo dos átomos de urânio, por exemplo. Uma vez gerado o calor, a sequência do processo para a obtenção da energia elétrica, a partir de vapor de água, é a mesma.

A estimativa dos técnicos do Iter é de que os tokamaks possam apresentar rendimento energético semelhante aos reatores da fissão nuclear. As unidades de reatores da fissão da última geração têm potencial para produzir 1.300 Megawatt. Para se ter uma referência do que isso representa, a Hidrelétrica de Itaipu, ainda a maior do mundo, tem uma capacidade instalada para gerar 14.000 MW com suas 20 turbinas.

Mas há desconfiança da comunidade científica. Muitos veem o projeto do Iter com reservas. Não representa o Santo Graal da busca por energia. Primeiro porque nem todos os desafios científicos e de engenharia foram resolvidos e há ainda problemas decorrentes das profundas diferenças culturais e dos interesses políticos existentes entre os envolvidos.

Mais: os especialistas do Iter defendem que uma vez desenvolvido toda a tecnologia, será possível produzir, por exemplo, 500 MW consumindo 50 MW, ou 10% do gerado, proporção questionada por alguns físicos. Todas essas incertezas somadas à impossibilidade de as nações envolvidas investirem os valores elevados necessários causaram atrasos importantes no Iter. Mas é verdade também que nunca o projeto andou como agora, o que mostra a confiança dos interessados no sucesso do programa da fusão nuclear. 


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