Crítica:
"O Homem Visível" dramatiza o mórbido desejo humano de olhar sem ser olhado
Neste exato momento, milhões de dólares e de libras estão sendo gastos num projeto inusitado, que envolve a manipulação da luz.
Trabalhando separadamente, cientistas e engenheiros das forças armadas britânicas e norte-americanas buscam nada mais, nada menos do que a invisibilidade.
Um tanque de guerra, um avião e um traje militar invisíveis ao olho humano: esse é o objetivo.
O escritor americano Chuck Klosterman, que lança "O Homem Visível"
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Os conhecimentos de física necessários estão à disposição de pesquisadores.
Resta saber se a tecnologia para a invisibilidade, por meio das partículas chamadas "metamateriais", é factível no mundo real.
No mundo ficcional, é fato consumado há muito tempo.
O bisbilhoteiro criado pelo escritor norte-americano Chuck Klosterman é só o mais recente sócio do clube dos invisíveis literários.
Desse clube, o presidente mais célebre foi o perturbado Griffin, anti-herói do clássico de H.G. Wells, "O Homem Invisível" (1897), ainda hoje modelo para muitas narrativas semelhantes.
O personagem do best-seller de Klosterman pode ser considerado o Griffin da "Idade Mídia". É alguém tão genialmente desequilibrado quanto seu notório antecessor, mas em plena sociedade do espetáculo.
VOYEURISMO
Quem narra a história é Victoria Vick, terapeuta contratada por um enigmático sujeito batizado por ela de Y_.
A principal exigência de Y_ é que todas as sessões sejam por telefone.
Victoria logo fica sabendo que seu novo paciente é um voyeur metódico e perigoso, capaz de vigiar as pessoas muito de perto, na intimidade do lar, sem ser visto.
O fato é que, a partir de um projeto supersecreto do governo, Y_ conseguiu desenvolver, em casa, um traje de invisibilidade.
Klosterman incorpora os metamateriais, mas investe pouco nas questões técnicas e científicas. Só o suficiente para enredar o leitor.
O maior interesse de Y_, se me permitem um eufemismo, é "antropológico". Ou seja, bisbilhotar os hábitos e os vícios do "homem visível": o cidadão comum.
Usar o traje para o bem maior da comunidade, nem pensar. Y_ gosta é de assistir em segurança à privacidade das pessoas. Passatempo muito melhor do que ir ao cinema ou ligar a tevê. Não há reality show que se compare.
"O Homem Visível" dramatiza, com humor meio ríspido, o mórbido desejo humano de olhar sem ser olhado.
Apesar do que possa parecer, o romance não reforça a vulgar superstição de que os frutos da ciência são sempre maléficos.
Antes, confirma o que H.G. Wells já deixou claro no final do século 19: a ciência é em geral benéfica, no mínimo neutra. Exceto quando sequestrada por nossos impulsos menos nobres.
LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).
O HOMEM VISÍVEL
AUTOR Chuck Klosterman
EDITORA Bertrand Brasil
TRADUÇÃO Rodrigo Chia
*QUANTO R$ 34 (294 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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